MEU JARDIM Por que essa necessidade, imperiosa e sem razão, Que abre de par em par as portas do meu jardim? Desisti de compreender a Mulher. Já compreendi demais com os olhos - Com os olhos abertos, Com os dedos, e os olhos fechados; Com a boca, o nariz, todo o corpo: Com meu corpo pesando sobre elas, Meu corpo sentindo o peso e o jeito De cada corpo pesar sobre o meu. Pode-se saber a maciez de suas peles. É possível compreender A doçura ou desejo em um olhar; Compreender a boca úmida entreaberta, A língua que cala e procura; Os dedos, as mãos, as unhas, os dentes - Os dentes que acendem a risada. Sim, é possível compreender Suspiros, gemidos, sussurros e gritos. É possível compreender até, o gosto de batom. Penso em você. Penso em você também. Não, não penso: vocês duas vêm e tomam conta de mim. Quero ficar sozinho. Gosto de ficar sozinho. As pessoas me aborrecem. Salvo algumas, muito poucas... Mas há essa necessidade inexplicável, tão real, Que abre de par em par a você, e a você também, As portas de meu jardim. E você, principalmente você, Vem, chega e está sempre tão dentro de mim. E você também... Ora é uma, ora a outra. E uma e outra. E uma é outra e a outra, a outra. Até que já não sei mais Quem é uma, quem a outra... Vocês duas fundidas, misturadas, confundidas No campo de guerra que não posso evitar. Não quero pensar, mas a mente é loquaz: Tagarela como a Mulher que desisti de entender. Penso em você. E em você também. Venham! Nada posso fazer: Busquem a deusa perdida, Extraviada de um sonho louco, Entre os bosques, entre as flores, Em meio às águas e murmúrios, Nas entranhas de meu jardim. Quem é você? Quem a outra? Que importa? Tanto faz! Venham! Tomem conta de mim. Dancem no meu jardim... Já desisti de compreender a Mulher Até porque, talvez, ela possa me compreender, E eu, não.
SP 15/02/88