Veio de muito longe só para conhecer aquele a quem mandava cartas borradas de vermelho e de quem recebia palavras capazes de ecoar em cordas que ela supunha há muito adormecidas em si. Transpusera a distância e, antes, muito mais - altas montanhas de preconceitos, a moral estrangeira, leis de deuses, poderosos e arrogantes, que valiam por serem leis e nada mais. Sabia de que pecados e crimes a acusavam, assim como se sentia fiel ao marido, ao amante, ao namorado, a todos, por ser fiel a si. Não temia fio de espada ou chuva de pedras. Seguia seu coração. Poderíamos chamá-la de Amélia, mas... para que nomear? Falso ou verdadeiro o nome, alguém logo diria que a conhece - chama-se Amélia, de fato. Amélia, Maria, tanto faz. Que fique, pois, no anonimato esta mulher, que proclama feminina a fidelidade e, ao dizê-lo, deixa incerto se fala do adjetivo ou da qualidade que ele define. Brinca assim com quase tudo, como com as palavras e, cheia de alegria se esparrama em generosidade. Depois do encontro, depois de vê-lo, ou melhor, de ser vista e revista e minuciosamente examinada, relaxou. Bastaram poucas palavras e era senhora da situação. Quanto a ele, não sabia. Sabia de si. Mulher com o poder de surpreender a cada dia, e surpreendeu. A aventura que começava com cheiro de hall de hotel mofado de tango desdobrar-se-ia de surpresa em surpresa, através dos sabores coloridos de um diário de bordo, através portos desconhecidos e tecida de nacos e cacos, irrigada por uma ou outra lágrima para que, fertilizada por um pouco de nossas almas, brotasse; numa cor, num desenho, numa sandália. Bobagens...
A música ecoa à revelia. Musicas podem tocar em nós sem exigir moeda para que o disco caia. * Feuilles Mortes, paroles de Jacques Prévert, musique de Joseph Kosma
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