desenho de Lu Guidorzi
basta um clique! 

berro - a parte inútil da vaca
Publicação esporádica destinada a perder-se como berro de vaca que, todavia muge, apesar da inutilidade declarada de seu berro.

Macaquinhos

09/12/05

O rapaz do açougue me pergunta se os macaquinhos ainda têm aparecido em casa. Refere-se a sagüis, que eram comuns nos dois lugares, em casa e no supermercado - todos o chamam assim, embora, no nome, seja armazém. Lá, um deles costumava entrar e roubar comida, com nítida preferência por carne, segundo ele me contava. Sumiram. É um sinal apenas, há outros. Os jacus também não vieram este ano, apesar das frutas.

Ultimamente, todavia, o sinal mais nítido da proximidade da cidade grande, da civilização urbana é o silêncio, ou melhor. A percepção de que perdemos um silêncio precioso que nem notávamos. O silêncio é natural e passa despercebido como a unha que não dói. O caminhão é uma afronta e mesmo longe, bem longe, incomoda. Há mais aviões, há os helicópteros em enxame - um dos principais campos de pouso foi feito aqui ao lado! -, há tratores e outras máquinas a bater estacas ou bombear cimento, em suma: a cidade não está mais lá, está aqui.

O barulho chega como doença sorrateira, que se instala pé ante pé, sem alarde até que é tarde demais. Primeiro um barulhinho de nada, depois outro e em seguida um pouquinho mais... Lembro-me que, quando comprei o meu primeiro computador, alguns dias depois, o levei para o vendedor e reclamei do barulho infernal que o ventilador fazia. Ele fez uma cara de incrédulo, ligou e quem ficou com cara de tacho fui eu. Lá, na loja dele, era o computador mais silencioso do planeta!

Lembrei-me de tudo isto porque, hoje, ao me aproximar de um canto do mato, forte cantoria de grilos - ou gafanhotos, sei lá - cresceu e me invadiu. Ao fundo, obras, trânsito, aviões, e os terríveis caminhões, que se destacam no barulho do tráfego e incomodam mais. Há trinta anos, aqui, se podia ouvir a passagem do trem ao longe, muito longe. E quase que só.

Vão-se os macaquinhos, talvez porque se foi o caminho. Foi-se a mata.

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