Manivela

1/9/2004

O primeiro carro de meu pai era um Oldsmobile, creme, provavelmente de 48 ou 49. O Bilão era um carrão, com alavanca de marchas na coluna de direção. Conforto acima de tudo! Um motorzão e aquela cor de sorvete e nome de sabor de sorvete a aguçar imaginação de menino.

Era antes de jotacá, o Juscelino Kubitschek da Novacap, a Brasília de depois, do Volkswagen e, depois, muitos outros, dos pés descalços embaixo da mesa. Importava-se carro. O cais do porto, no Rio, vivia cheio, alguns com cara de estarem ali há muito tempo. Muitos, totalmente lambuzados de graxa, a lembrar certas pessoas na praia, à guisa de proteção contra a maresia local e as intempéries.

Meu pai teve poucos carros. Segui-se um carrinho inglês, desconhecido, com nome de máquina-de-costura: Singer. Não que cantasse pneus ou chorasse em subidas, era apenas xará da Singer de costurar. Como tinha bomba de gasolina elétrica, fazia toc, toc, toc e o ruído lembrava a xará. Isso sempre deu muita piada, é claro. Europeu, ainda que insular, era bem menos poderoso, bem menos confortável e muito mais esquisito que o Bilão.

Para indicar direita ou esquerda, por exemplo, havia duas pequenas meias-setas, que se levantavam, na coluna entre as portas, como um "bracinho" luminoso. Para acioná-las, pequena alavanca cromada em volta do botão da buzina, bem no meio do volante, que a gente chamava, mesmo, de direção.

Ora, esse carro, fabricado em 1952, ainda tinha manivela. Um ferro quase da grossura de um dedo, dobrado em forma de manivela, que se enfiava por baixo da grade da frente, através de um furo, para encaixar na parte de baixo do motor e dar a partida, quando a bateria pifava... Era duro, coisa para gente forte, mas funcionava.

Mutatis mutandis, é dessa manivela que sinto falta no poderoso xispê... Elas estavam a cada esquina em sistemas anteriores...

|home| |índice das crônicas| |mail| |anteriortem carta... tem carta...

2453250.544