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Medo06/02/02Diante do psiquiatra a universalidade do medo se fez cristalina. Começou a contar seus truques para driblar o incontrolável medo que sentia de avião. Cada viagem era um martírio pior para ele, psiquiatra e psicoterapeuta, o que permitiria supor que dispusesse de todo o instrumental para lidar com emoções humanas, inclusive as próprias, inclusive o medo. Porém, só entrava em avião embriagado... E declarava seu pavor, sua impotência diante do medo: o medo é totalmente irracional - repetia. O ser humano pode ter medo de qualquer coisa - explicava, como se a explicação explicasse algo e concluía: até de barata. Até de barata - repetia. O medo se mostrava universal. Não era privilégio de fracos, ou crianças, ou mulheres, de nem ninguém. Todos sentiam medo. Uma manifestação do nosso instinto primeiro, do qual tudo mais depende: é preciso continuar vivo, inclusive para atender ao segundo instinto: manter viva a espécie, ainda que com o sacrifício do indivíduo. Para isso é preciso estar vivo pelo menos até a fecundação para os machos; até o parto, ou postura, no caso das fêmeas. (Há raras exceções). Os bichos sentem medo diante de situações concretas, quando um predador ameaça, quando o fogo os cerca etc. Têm que reagir, enfrentar a situação. Fugir, lutar, o que for. Aparentemente, não conhecem o medo psicológico, medo da situação projetada, do inimigo hipotético, da catástrofe possível etc. Medo essencialmente humano. Este, corrói, arrasa o medroso, por mais corajoso que ele se faça. Este medo ergueu há tempos, na China, a Grande Muralha e, hoje, pôe cacos de vidro e fios eletrificados sobre muros, blindagens de aço em automóveis e bilhões de dólares nas contas de quem promete segurança e mostra dentes pontiagudos, garras afiadas e armas de fogo e de sangue. O medo mata. É preciso compreender a escalada do medo. |
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