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Microfone17/9/2004Uma vez vi um documentário que abordava a fala do gesto e mostrava uma linguagem universal de meneios de cabeças e malabarismos de mãos, a enfatizar ou negar o que a boca diz. Hoje, lembra-me o filme o abominável microfone de televisão que, de tão corriqueiro, já nem chama a atenção. Apesar da tecnologia e miniaturização, de telefones em bolsinhos, o abominável microfone da tevê continua pré-histórico, imenso, desaforado e fálico. Ubíquo, é verdadeira aberração estética e parece ainda maior em mãos mais delicadas. Se estorvo quase pornográfico nas mãos de convidados e outros incautos, que aos poucos o sentem lhes tolher as mãos, empunhado por repórter ou esgrimido pela afetação e vaidade de repórter bonita, vira arma, a desafiar e ameaçar o entrevistado ou vítima de certo tipo de jornalismo investigativo. Em alguns programas, abundam convidados e microfones pornôs, com capinha de espuma. Há os lapela, claro, verdadeiros instrumentos de discriminação, distintivos que autoridades trazem ao peito. Ninguém taca o abominável em mão de governador, prefeita, prêmio Nobel ou top model, as misses de hoje. O maldito microfone daria tratado, mas deu para entender, creio. Se não, observe! Diante da tevê, seja testemunha ocular e lembre-se: ele fica mais explícito para a testemunha surda. Experimente! Em seu tempo, Chacrinha viu o quanto era arriscado segurar o abominável e acertar nacos de bacalhau no auditório. Inventou, pois, incrível trempe para o manter ereto sobre o peito e liberar as mãos para dizerem o que, em tempos carrancudos, de censores em bastidores e camarins de chacretes, seria melhor calar e, também, para fazer da platéia, alvo. Talvez, no século 22, os convidados engulam o microfone, com um drinque, antes de entrar no estúdio. Mais tarde, o eliminariam sem problemas, ou ele poderia ter, quem sabe, leve efeito laxativo. |
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