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Milagres19/03/04Na verdade não tenho tido paciência para permitir que o pequeno milagre se repita e diferenças infinitesimais das quantidades de certos átomos no microscópico sanduíche de finíssimas fatias de silício determine rotas de elétrons como fatalidades do destino ou caprichos de deuses para os transformar, assim, em corrente, pulso, sinal, enfim, voz mui singular e efêmera capaz de traduzir, em bilionésimos de segundo, um eu existo em interminável fileira de uns entremeada a outros tantos zeros, testemunhas de silêncios, a serpentear e se espichar por toda parte, a tudo abarcar, fibra por fibra como áureo toque de algum novo Midas... Bem, dona Sabrina, por certo já compreendestes que não tenho tido saco de ligar o computador... Em volta, as máquinas milagrosas continuam, todavia. Daí, ao permitir, enfim, o fluir da nova seiva, vejo uma caixa virtual em portão imaginário a transbordar de palavras amigas em meio a outras, inúteis, de invasão ou ameaça. Eliminação remota destas, coleta das demais. Duas vezes, nesse afã, apaguei o que não devia sem perceber... Entre as outras, algumas diziam sentir falta das croniquins, talvez apenas um gesto gentil e nobre. Há uns quinze anos, cismei com um tipo de correspondência coletiva: enviava a mesma carta a meia dúzia de amigos. Depois, respondia a quem respondesse, na circular seguinte etc. Surgiu o Ciclo Circular. Não deu muito certo, mas a idéia sempre me fascinou. Houve outras tentativas, todas efêmeras, todas fracassaram. Agora, ao tentar explicar a tantos que esperaram na caixa de correio abandonada, volto a velha idéia da circular e comprovo, ainda, Nelson Rodrigues: nos repetimos do "berço ao túmulo". Atalho meio maroto, como se buscasse dois coelhos, não na cartola, pois a magia é outra, mas no mesmo golpe de um cajado arcaico... |
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