Ah, quanta posse! Ia começar dizendo tenho
uma amiga que tem... mas paro - é muito dono para minha
amiga e pouco importa o que ela possa ter, ou não. Tentemos
outro caminho. A minissaia da minha amiga, uma das minissaias,
suponho, é muito mais mini do que saia. Melhor assim. Tão
mini que poderia, facilmente, ser confundida com um cinto. Imagino
que minha amiga só use a saia-cinto em casa e, assim mesmo,
dependendo de .quem esteja lá...
A saia mostra tudo, em todas as circunstâncias.
É inútil puxar daqui ou de lá, porque a calcinha
sempre aparecerá, isto é, se houver calcinha. As
leitoras terão mil perguntas que não saberia responder:
que tipo de pano? É justa? Rodada? Tem pregas? A cor? Impotente
para essas respostas, remeto à crônica de ontem,
que explica: leitoras são mulheres e o clode.kubrusly@gmail.com,
homem. Duvido que tais interrogações passem pela
mente de algum leitor. Mesmo agora, leitor solitário, diga:
o que ocupa ainda suas cogitações, se era uma saia
de cetim rosa ou de veludo azul ou se minha amiga estaria usando,
ou não? Poderia, até, alguma leitora mais minuciosa,
estar tentando imaginar a idade de minha amiga, se tanta exibição
mostraria, também, celulite, etc. Creio que num único
aspecto, homens e mulheres teriam a mesma curiosidade: é
bonita a sua amiga?
Ah, quanta pose! Queria apenas dizer que todo aquele
que caminha em sua sexta década de vida, como eu, viveu
em sua adolescência uma experiência terrível
e fascinante que hoje, contada, parece mentira e é, por
isso, até difícil de contar. Os jovens não
podem imaginar o que foi, no final dos anos 50, a lenta, mas inexorável,
subida das saias. A conquista gradativa, com retrocessos temporários,
de cada centímetro primeiro das pernas, depois, dos joelhos
e, afinal, das coxas da mulher! Muito menos poderiam os moços
de agora imaginar a repercussão da escalada na imaginação,
nos sonhos e tudo mais dos adolescentes de então.
Machado tem um conto maravilhoso, onde a visão
de um simples cotovelo é capaz de transtornar um homem.
Pois bem, quem não viveu o gradativo e hitchcockiano surgimento
dos joelhos na maré cheia das saias, só pode entender
parcialmente o conto genial de Assis (acho que o título
é"Natal",
não lembro). Quem não teve sapatinho azul pendurado
na porta da maternidade, jamais o poderá compreender totalmente,
quando quer que tenha nascido.
O corpo da mulher, até a década de
50, era o mistério. Tudo se podia ver e saber, salvo o
corpo da mulher. Este, era guardado a sete chaves, mil anáguas,
combinações, cintas, sutiãs, e uma infinidade
de outros aparatos bélicos. Um Irã, rapazes, um
Irã aqui, sob o sol tropical! Como disse: o corpo da mulher
era o mistério. Nem tanto, e até mais. Explico:
falo do Rio de Janeiro dos anos cinqüenta, muita coisa mudou,
mas a praia já estava lá. Copa já era princesinha
do mar. As garotas de Ipanema já faziam mais que engatinhar...
Há pouco, surgira o maiô e o nome. O triste atol
fora bombardeado em 46. Ou seja, havia uma certa nudez nas praias,
mulheres de biquínis, bem mais onerosos para os fabricantes
que os atuais, mas biquínis. À mostra pernas, joelhos
e coxas, para não falar de umbigo, costas, da... ah, o
corpo da mulher!
Ora, disse que ele era o mistério, e que não
era. Prometi explicar e quem dá a explicação
é um monge beneditino, que depois, como dom Hélder
Câmara foi parar no Recife, dom Basílio Penido. Um
dia, tinha ele a incumbência de explicar a um grupo de jovens
os mistérios da Santa Fé (acho que era isso e acho
que eram três). O sábio monge, por certo considerando
o tipo de platéia diante de si, não titubeou: a
beleza do Mistério reside, justamente, em não se
poder desvendá-lo. Assim como o corpo das moças.
E veio a explicação: se você caminha pela
calçada da praia de Copacabana, todos aqueles corpos semi-nus,
não despertam nada de especial. No entanto, imagine que
venha pela mesma calçada uma moça vestida e, de
repente, um vento maroto levanta sua saia e mostra, por um átimo,
sua calcinha. Esse corpo, assim revelado apenas um segundo, pelo
vento, é capaz de provocar imensas reações...
Parênteses: vê-se que dom Basílio era um homem,
preso a uma saia, mas homem, para pinçar com tal precisão
este exemplo. Fecha. E o monge perguntava: por quê? E concluía:
porque nos corpos semi-nus não há mistério.
Todo o encantamento está no mistério que o vento
apenas evocou...
Uma leitora informa (entre outras correções): o conto do Machado é Missa do Galo, tenho num livro. [volta]
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