Vou pedir sanduíche e suco pela Internet.
Virtuais, é óbvio. Assim, sacio fome e sede sem
os riscos do comer e beber. Quero a fome virtual - realidade ou
não. Ah, dona Sabrina, já imaginou uma pizza virtual?
E uma torta de nozes vê rê mê lê, que
é como se diz na Bahia a sigla daqueles especialistas em
realidade virtual, uma torta vê rê mê lê
com cobertura de chocolate, hem, que tal?
Depois, saciado o estômago, procura-se
uma namorada nas salas de conversação, tão
chatas que o nome é esse mesmo: chat. Namorada tão
virtual quanto o suco, sem garantia, no entanto, que seja virtuosa
também. Virtudes a parte, saímos, os dois, de mãos
dadas, pela teia em busca de sol, verão e mar. A procura
de outras praias, que é preciso e cada um precisa a sua
encontrar. Tudo tão real, realidade tão virtual.
Não, essa praia não é a minha, dona Sabrina.
Talvez seja a da vizinha. Um namoro virtual, sexo virtual - segurança
absoluta e total! - e, depois, ter uns filhos virtuais, com cara
de pizza napolitana e tortas de vê rê mê lê.
Que melê!
"Só o espírito da espécie
pode abranger, com um único olhar, o valor que os amantes
têm para ele e saber como podem servi-lo para seus fins.
Por isso, as grandes paixões nascem, em geral, do primeiro
olhar." Ah, o espírito da espécie, que
diria o espírito da espécie, dona Sabrina, o que
diria Schopenhauer, depois que disse isto daí?
Vi uma vez, numa revista de psicologia -
Psychology Today, chamava-se, mas faz tanto tempo que teve ter
mudado o nome para Psychology Yesterday - uma história
fantástica, na qual nunca acreditei. Era sobre uma chimpanzé
criada por um professor ou professora de psicologia, não
lembro. Tratava a matéria, é claro, como era do
agrado da época, do primeiro cio da macaquinha. Depois
de descrever várias tentativas de interação
com o professor, ou marido da professora, contava que ofereceram
ao animal revistas com fotos de homens pelados em poses eróticas!
Depois de examinar, folhear e - ia dizendo ler, mas isso não
estava lá - a revista, a macaca abriu o poster central
desdobrável, bem no meio do tapete da sala, e começou
a se esfregar na foto. Se não me engano - estava no auge
a hoje chamada revolução sexual - o texto era minucioso
quanto as partes que a macaca esfregava em que partes da foto.
Não acreditei e continuo a não acreditar.
Não deixa de ser surpreendente a quantidade
e variedade de imagens vendidas nas bancas de revistas. Sexo com
mulheres de papel, em quatro cores de tinta, convenientemente
dosadas e esparramadas sem cheiro de mulher, sem tato de mulher,
sem gosto de mulher... apenas imagem, mero papel. Posso embolar,
riscar um fósforo e... foi-se a musa de tantos sonhos,
o motivo de tanto tesão. Mas somos homens, seriam também
assim os chimpanzés? Pouco importa. O homem, antes de tudo,
é bicho muito visual. Como namoram as pessoas , nesse mundo
virtual? Calam o espírito da espécie? Colocam-lhe
venda e atam-lhe os punhos?
Mas preciso dizer uma coisa, apesar do risco
que corro... É provável perder agora 90% do eleitorado
- não dona Sabrina, eleitorado não tem nada a ver
com as leitoras nem que leiteiro... se bem que, no caso... - Veremos:
acredito que a importância da visão na escolha sexual
é diferente, para o homem e para a mulher. Estou frito:
não deveria jamais fazer uma afirmação dessas
tão próximo do pé da página. Ainda
mais depois de contar o caso da chimpanzé. Deveria ter
falado, apenas, dessa escolha do espírito da espécie,
do acontecer no primeiro olhar. Mas, com todas as letras: diferente,
não - é muito mais forte para o homem do que para
a mulher. Sei, dona Eufrásia - andava sumida, hem - sei
muito bem que nunca fui mulher para saber, mas você também
nunca foi homem, né? Calma, é ao primeiro olhar
ou à primeira vista? Ainda: queria saber de uma única
mulher, que compra dessas revistas que deram à macaca.
Que eu saiba, são feitas para... para... como se diz?
Se você fosse fazer o projeto, fosse
arquiteto de Deus. Para dar certo, seria preciso que um bebesse
com os olhos e o outro, derramasse os mais doces licores e néctares
para serem sorvidos por esse olhar. Certo? Na sua opinião:
quem derrama e transborda o que os olhos bebem e quem bebe e se
embriaga e até morre nesse olhar?
Chegou a pizza, o suco, o sanduíche
e a torta de vê rê mê lê. Prometo voltar,
prometo falar desse primeiro olhar...
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