Virtuais


11/09/97

Vou pedir sanduíche e suco pela Internet. Virtuais, é óbvio. Assim, sacio fome e sede sem os riscos do comer e beber. Quero a fome virtual - realidade ou não. Ah, dona Sabrina, já imaginou uma pizza virtual? E uma torta de nozes vê rê mê lê, que é como se diz na Bahia a sigla daqueles especialistas em realidade virtual, uma torta vê rê mê lê com cobertura de chocolate, hem, que tal?

Depois, saciado o estômago, procura-se uma namorada nas salas de conversação, tão chatas que o nome é esse mesmo: chat. Namorada tão virtual quanto o suco, sem garantia, no entanto, que seja virtuosa também. Virtudes a parte, saímos, os dois, de mãos dadas, pela teia em busca de sol, verão e mar. A procura de outras praias, que é preciso e cada um precisa a sua encontrar. Tudo tão real, realidade tão virtual. Não, essa praia não é a minha, dona Sabrina. Talvez seja a da vizinha. Um namoro virtual, sexo virtual - segurança absoluta e total! - e, depois, ter uns filhos virtuais, com cara de pizza napolitana e tortas de vê rê mê lê. Que melê!

"Só o espírito da espécie pode abranger, com um único olhar, o valor que os amantes têm para ele e saber como podem servi-lo para seus fins. Por isso, as grandes paixões nascem, em geral, do primeiro olhar." Ah, o espírito da espécie, que diria o espírito da espécie, dona Sabrina, o que diria Schopenhauer, depois que disse isto daí?

Vi uma vez, numa revista de psicologia - Psychology Today, chamava-se, mas faz tanto tempo que teve ter mudado o nome para Psychology Yesterday - uma história fantástica, na qual nunca acreditei. Era sobre uma chimpanzé criada por um professor ou professora de psicologia, não lembro. Tratava a matéria, é claro, como era do agrado da época, do primeiro cio da macaquinha. Depois de descrever várias tentativas de interação com o professor, ou marido da professora, contava que ofereceram ao animal revistas com fotos de homens pelados em poses eróticas! Depois de examinar, folhear e - ia dizendo ler, mas isso não estava lá - a revista, a macaca abriu o poster central desdobrável, bem no meio do tapete da sala, e começou a se esfregar na foto. Se não me engano - estava no auge a hoje chamada revolução sexual - o texto era minucioso quanto as partes que a macaca esfregava em que partes da foto. Não acreditei e continuo a não acreditar.

Não deixa de ser surpreendente a quantidade e variedade de imagens vendidas nas bancas de revistas. Sexo com mulheres de papel, em quatro cores de tinta, convenientemente dosadas e esparramadas sem cheiro de mulher, sem tato de mulher, sem gosto de mulher... apenas imagem, mero papel. Posso embolar, riscar um fósforo e... foi-se a musa de tantos sonhos, o motivo de tanto tesão. Mas somos homens, seriam também assim os chimpanzés? Pouco importa. O homem, antes de tudo, é bicho muito visual. Como namoram as pessoas , nesse mundo virtual? Calam o espírito da espécie? Colocam-lhe venda e atam-lhe os punhos?

Mas preciso dizer uma coisa, apesar do risco que corro... É provável perder agora 90% do eleitorado - não dona Sabrina, eleitorado não tem nada a ver com as leitoras nem que leiteiro... se bem que, no caso... - Veremos: acredito que a importância da visão na escolha sexual é diferente, para o homem e para a mulher. Estou frito: não deveria jamais fazer uma afirmação dessas tão próximo do pé da página. Ainda mais depois de contar o caso da chimpanzé. Deveria ter falado, apenas, dessa escolha do espírito da espécie, do acontecer no primeiro olhar. Mas, com todas as letras: diferente, não - é muito mais forte para o homem do que para a mulher. Sei, dona Eufrásia - andava sumida, hem - sei muito bem que nunca fui mulher para saber, mas você também nunca foi homem, né? Calma, é ao primeiro olhar ou à primeira vista? Ainda: queria saber de uma única mulher, que compra dessas revistas que deram à macaca. Que eu saiba, são feitas para... para... como se diz?

Se você fosse fazer o projeto, fosse arquiteto de Deus. Para dar certo, seria preciso que um bebesse com os olhos e o outro, derramasse os mais doces licores e néctares para serem sorvidos por esse olhar. Certo? Na sua opinião: quem derrama e transborda o que os olhos bebem e quem bebe e se embriaga e até morre nesse olhar?

Chegou a pizza, o suco, o sanduíche e a torta de vê rê mê lê. Prometo voltar, prometo falar desse primeiro olhar...



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