autor, circa 1996 Crônica do dia

Móbile

29/11/07

Rola pelo ar pequena folha. Súbito, ela pára, retida por uma fina teia que, antes, não se podia ver. Tremula, há brisa muito leve na manhã fria.

Céu azul e sol de prata. Chuvas e ventos faxinaram a atmosfera. Os primeiros raios de sol chegam brancos. Um pio insistente chama como choro de bebê. Na porta do ninho o filhote de bem-te-vi. Pode ter outros, mas só um aparece entre os fiapos de capim seco e outras fibras que tecem o refúgio dos bem-te-vis.

Trata-se de um terceiro andar numa estranha construção que, ano após ano se empilha entre o corpo e os tubos de refrigeração de um transformador elétrico no poste de iluminação pública. Ignoro quanto vive um bem-te-vi, mas acho que é obra de um mesmo casal.

Hoje, só aparece um adulto na faina de alimentar a cria. Antes, se via sempre o casal agindo em cooperação - enquanto um vigiava o outro ia entregar o quinhão. Teria algum gavião conseguido tão farta refeição?

Um raio de sol desvenda um pendão de pequenas orquídeas amarelas num recanto fechado e sombrio. Em luz, faz as flores flutuarem no nada. Uma rajada fria as anima por um momento. Rajadas se sucedem mais nítidas e levando muitas folhas a um aplauso no farfalhar.

Com os ventos, também, chegam nuvens que vêm do mar. cresce a umidade e a sensação de frio. De repente, tudo empalidece - vai-se o sol. O vento aumenta e muitas folhas se soltam numa chuva de confetes. O sol oscila, como se algum deus brincasse com um reostato no palco do mundo.

A trepidação de um motor se anuncia ao longe. Nítido, um sabiá exibe trinados e assobios. Somam-se outros pios. As nuvens correm altas em direção ao noroeste. A umidade penetra - no continente e em nós. Passa, alto, um avião.

O sol se impõe mas o vento persiste, frio. Finos retalhos de nuvens continuam a escorrer no rumo do Pantanal.

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