Não tenho nada a dizer. Eis a verdade. Crua, nua ou sem adjetivo. Nada. Não como o vazio repleto de mentira da ditadura militar, que tudo resumia no cacarejar do "nada a declarar" ou como as mentiras polidas de hoje (e mais descaradas também). Não, apenas o vácuo. Tanto que para traduzir o que sinto neste momento frente à página vazia e uma ou outra mensagem carinhosa, o que o traduz, é uma cena e não palavras, cena de uma obra-prima. Já se vê que trago, como sonho recorrente, Otto e Mezzo à baila. Ei-la, a cena: Quando, derrotado e pressionado pelo filme que nunca acontece Guido, o diretor, chega para a entrevista coletiva convocada pelo produtor no set mirabolante - uma plataforma de lançamento de espaçonaves - e quer, literalmente, sumir, diante do bombardeio das perguntas de jornalistas de todo o mundo, em três ou quatro idiomas. Aí, uma pequenina repórter norte-americana se vira para a câmera e grita: "He has nothing to say!" - grita como triunfo dela. Depois, repete e repete a frase... Eis-me. E gostaria de pode dizer inteiro e nu, mas não ter nada a dizer é apenas um pedaço e a verdade não se deixa prender em malhas de esperteza. Não deveria nem mesmo anunciar a ausência absoluta de assunto que me acomete e, calado, no sonho intenso de desaparecer, aguardar o berro triunfal da repórter a seu cameraman: "He has nothing to say!" - pois só assim se define o indizível, se cala o vácuo infinito. Todavia me chega uma mensagem de leitora recente a reclamar a ausência das croniquins e isto me coloca a postos, frente ao papel em branco imaginário com esferográfica à guisa de máquina de escrever. Eis senão quando a própria página branca, como a tela do pintor do século passado, se me oferece em obra, pronta, virgem, imaculada sem mancha ou cocô de mosca e prenhe de todos os significados que se lhe queiram dar! Aqui está, nada. |
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