O vício se instalou na adolescência e a leitura da primeira bula foi conseqüência da ignorância absoluta do significado daqueles números: 3.5, 4, 5.6, 8 ou, do outro lado da lente, 1/2, 1/5, 1/10 etc. A máquina de retrato, descoberta em um vão atrás de uma estante, era uma Kodak Reflex, imitação barata da célebre Roleiflex. Corri a perguntar se meu pai ma emprestaria e, depois, a comprar filme, sem o quê, seria impossível fotografar. Com ele, o filme Agfa, 620, Isopan, 100 ASA, veio a primeira bula. Ignorante, refestelei-me a ler o folheto metido na caixa do filme, a que chamei de bula, talvez pelo tamanho das letras e havia, também, ilustrações relacionando aqueles números a condições de luz: sol (ao qual acrescentaria, depois, o adjetivo 'beleza' e o 'céu azul'); nublado claro; nublado escuro, sombra, não das que servem às mulheres para sublinhar o olhar e outros parâmetros que regiam o fotografar.
Não podia saber ser aquela leitura fortuita o passo primeiro de extensa jornada. Veio a segunda bula e depois outra e outra mais... Depois de as ler, as prendia com um clipe grande, mas logo foi preciso mudar para um caderno grosso, de capa preta e com um índice alfabético nas orelhas. Colava em suas páginas pautadas as 'bulas', minhas professoras, não apenas as de filmes, mas também de reveladores, fixadores e tudo relacionado a fotografia. O caderno ainda existe, gigantesco como uma gravidez de quíntuplos, perdido em algum vão ou estante deste lado de cá do fim do mundo. A fotografia de então é que não existe mais. Da quase alquimia de Daguerre ao telefone de bolso ou de bolsa, tudo mudou e, sobretudo, o papel e função dessas imagens no contexto social. De repente me veio o título: não bula com bula! Ele me encantou e, para o justificar, comecei a rabiscar estas reminiscências. |
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