Crônica do dia
Publicação esporádica, a perder-se como berro de vaca, que todavia muge, apesar da inutilidade declarada de seu berro.

 

Não nega, Nega

14/04/05

 

"O teu cabelo não nega, mulata/Porque és mulata na cor/Mas como a cor não pega, mulata/Mulata eu quero teu amor" - a marchinha, que Lamartine Babo adaptou, a partir de frevo dos irmãos Raul e João Valença, se tornou sucesso nos carnavais e nas cabeças. Todos a cantam e repetem - o crioulo e sua loira, o sulista branquelo e a baiana de bumbum proeminente, todos se abandonam ao feitiço da canção sem preconceito de raça e repetem querer a mulata porque não há risco de contaminação.

A ofensa nunca está nas palavras, como explica a velha piada do telegrama. A ofensa está no ofensor. A marchinha tem 74 anos, coisa de outros carnavais, quando se jogava futebol por gosto, imagine! Hoje, já se pensa em um modo de cobrar cada "oi". Quanto ao ar que se respira, bem, falta saber como medir e cobrar. O futebol, como tudo mais, é um vale-tudo e as leis caminham, céleres, para obrigar ao óbvio.

Por exemplo, se há um mandamento que proíbe matar, falta um para proibir a desonestidade: é proibido ser desonesto, agir de má-fé. Diga rápido, o que você fez com troco a mais, que você percebeu ao o receber do português? Quem você escolheria para assessor de confiança para responder por seu gabinete, hein, hein?

Vivemos em um mundo que delata, espiona, infiltra tecnologia no bolso e na bolsa, mas o fio a separar o justo do canalha se torna cada vez mais frágil e invisível.

O jogador vai no pé do outro, não na bola. Pula e o objetivo maior é acertar o adversário - colega de profissão! - com o cotovelo, para ganhar o jogo a qualquer custo. É a lei da vida: competir e vencer, custe o que custar. Uma lei natural deformada e deturpada pelo dinheiro. Na disputa, enfia os dedos nos olhos do outro. É o novo futebol!

Ontem, um jogador argentino, em partida no Brasil, chamou um jogador do São Paulo de negro. Foi preso. É o grande assunto da mídia hoje.

Não nega.

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