Ponto final. E toda palavra que se seguir será absurda. Em verdade, em verdade o próprio ponto final por extenso, ao longo da fileira de letras é uma contradição - nega a morte que se encerra em cada ponto final. A melodia clama pela tônica para pôr um fim. O "The End" nas telas aponta vício, fraqueza ou redundância no roteiro. Na vida, a morte não deixa margem a divagações: acaba e termina, como diria Chacrinha, sumariamente, como diria um delegado de polícia. Resta a memória. Vestígios que o tempo apagará, mas que pessoas alimentarão com suas vidas e a ajuda de objetos e fragmentos. Uma palavra, uma página, uma imagem, um filme, uma canção, um pedaço... Por trás de cada um a idéia do que morreu, do passado, da vida que se extinguiu. Somos nós ou é o outro que vive em nós. Santo! Santo súbito! - grito e logo explico com um privilégio poliglota: saudade, ou prenúncio de saudade. Tristeza do empobrecimento súbito - aqui, sim, súbito e definitivo - como se pudéssemos possuir outrem, como se fosse possível ser amo e senhor da vida. Durante muito tempo a zebra ficou atordoada ao lado da zebrinha morta, mas depois vieram urubus, hienas, chacais e outros carniceiros e algum tempo depois, nada restava - foi das cenas mais impressionantes que vi na televisão. Os pais de um colega, que morreu antes dos vinte anos, transformaram seu quarto em uma espécie de tabernáculo, onde a cama era arrumada e os chinelos dele postos ao pé da cama, como se vivo fosse. ".... a economia do mundo encontra-se precariamente baseada na especulação e na avareza e, por isso, pode ruir a qualquer momento." - opinou Antonio Ermírio de Moraes, na "Folha" de 28 de fevereiro de 1993. Santo! Santo súbito! - continua a gritar a multidão e logo apareceram urubus e hienas e chacais e cascavéis e outra multidão, de vermes. O fim pode ser leve.
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