Navegações

29/03/19

Às vezes bate uma saudade da internet precária e limitada dos primeiros tempos, compartilhada por relativamente poucas pessoas, de uma lentidão capaz de desafiar a paciência do mais abnegado santo mas - eis suas virtudes! - livre de imposições da ganância e da avidez, livre também dos scripts embutidos em suas páginas, como hoje, sempre atentos a cada oportunidade e capazes de abrir de supetão novas janelas, novas abas, novas ofertas, animações e todo tipo de propaganda, muitas vezes dirigidas adrede ao internauta, segundo dados obtidos por outros scripts, às escondidas, em seu próprio computador e suas navegações recentes.

Naqueles tempos já remotos, viajar como navegante entre páginas e coleções de páginas talvez fosse mais arriscado, como às primeiras caravelas era maior o risco de ataques de piratas, mas, com o desejo de vender ainda muito incipiente, a navegação propiciava o sonho de terras desconhecidas a surgir de repente no horizonte e oferecia, aos mais destemidos, recônditos da pirataria tentadores e cheios de "mercadorias reluzentes", malgrado os riscos ainda pequenos, justamente pela inexistência dos scripts embutidos.

Hoje, levo o ponteiro do mouse próximo a uma borda de página, atraído por um link qualquer, e um script embutido abre uma "oferta imperdível" diante de meus olhos, obliterando o que lia e interferindo agressivamente em meu processo mental. Adiante, em seu simples vagar aleatório, o ponteiro calha de parar sobre uma palavra-link e logo surge a miniatura de outra página e suas ilustrações. Tudo isso estimula a dispersão. Vamos sendo treinados a não fixar a atenção em nada, por mais que se repita o refrão da "importância de manter o foco".

Daí bater uma saudade difusa de mares mais tempestuosos com riscos de perigosas calmarias, mas em águas muito menos poluídas.

Fri, 29 Mar 2019 12:03:50 -0300

Clódi, saudades. Leio sempre com um enorme gosto tuas croniquetas, super sensíveis e bem escritas.

Hoje postei um textinho (abaixo) no facebook e lembrei de você. Primeiro, porque nós passamos juntos pela experiência da epidemia de meningite. E segundo, porque lembro que a mulher do Barradas (acho que Rita era o nome dela) me deu um livro que ela havia escrito sobre a epidemia da década de 70. E você tinha o maior tesão por ela. Lembra?

Abração. Avisa quando estiver (se estiver) por São Paulo,

Simon

Para quem não viveu ou se informou sobre a ditadura no Brasil e acha que foram só alguns pequenos problemas- como se mortes, torturas e desaparecimentos fossem acidentes de percurso - vou dar uma ideia de como a censura pode ser letal (não só no sentido figurado). No início da década de 70 houve uma epidemia de meningite de grandes proporções na cidade de São Paulo. Os militares no poder não queriam que a população soubesse e se alarmasse. Por isso, proibiram o noticiário a respeito. Acontece que a informação é uma das principais armas para combater uma epidemia de meningite (aprendi isso na prática quando coordenei anos depois a área de comunicação da secretaria estadual da saúde e ocorreu uma epidemia de menores proporções). Ao saberem quais são os sintomas, as pessoas procuram atendimento aos primeiros sinais da doença, aumentando a velocidade do diagnóstico e a chance de cura. Nem a população e nem os profissionais de saúde sabiam da ocorrência da epidemia. As pessoas não procuravam atendimento médico e, mesmo quando procuravam, eram tratadas como se fosse gripe. Saldo dessa irresponsabilidade: mais de 400 mortes em 1975 só na cidade de São Paulo.

Ah, Simon, saudades!

Obrigado por suas palavras.

É incrível a cabeça da gente: se ela se chamava mesmo Rita, não sei, mas me espanta a sua lembrança de alguém que nenhum vestígio deixou em mim. Naquela época eu vivi uma fase do lobo e me envolvi com várias moças da Secretaria, mas do Barradas me lembro bem; de sua mulher, não.

Excelente texto sobre a meningite (desta me lembro bem). Vou republicá-lo junto com sua missiva.

Quando e se for a São Paulo, avisarei.


Thu, 18 Apr 2019 11:05:50 -0300

Verdade pura!

Bjs
Ana

Merci.


Sun, 28 Apr 2019 18:49:51 -0300

                                                                      Concordo com vc! Também sinto  saudades daquela Internet precária.

                                                                         Bjs. Brte

Oi, Dedete.

Tem sido comum olharmos fatos com um mesmo olhar.

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