Amanheceu o dia indeciso, nestes confins do lado de cá do fim do mundo, sem saber se se abria em sol ou mergulhava em nuvens. Ontem, caminhões chegavam um após outro, como para algum congresso nas imediações. Dos grandes, pequenos, roucos, estridentes, velhíssimos e supernovos, com infernais sirenes e alarmes a cada marcha à ré. Uma cacofonia infernal. E o cheiro detestável que só caminhão sabe ter. Em uma obra duas marretas se revezavam sem ritmo a quebrar pedra ou concreto em batidas que repercutiam dentro, em ossos e vísceras. Noutra, dois compenetrados trabalhadores finalizavam a forma de uma viga e, com seus martelos, não tinham o mesmo poder, mas a caixa de ressonância que as tábuas criavam, amplificavam as marteladas. Numa terceira reforma um operário se pôs a cortar pedras para um piso com outro som infernal. Só me ocorreu pensar: a metrópole me pegou. Todavia, se um dia é quente, outro é frio. Num chove, noutro seca e, hoje, as cigarras vieram em bando e, enquanto o dia nos queria sorrir, com seus cantares estridentes e múltiplos, mas que aprazem ouvido e alma, se alma há, e logo se põem em harmonia com outros piares e estridulares. Entre os piares muitos, um se destacava. À porta do ninho, o bem-te-vi pequenino piava forte, alheio à incansável lida de seus pais. O ninho, posto onde está, se assemelha a um tubo, sobre as alças de refrigeração de um transformador de energia, alto no poste. A rigor, foi construído sobre outro, do ano passado. Em dado momento, se viam três cabeças na abertura do ninho. Pai e mãe na faina de procurar alimento para cinco bocas e vigiar o ninho todo tempo, pois existem sagüis e gaviões sempre à espreita. Com o cuidado, ainda, de não mostrar o tesouro ao inimigo. Passa um helicóptero muito baixo. Guerra instantânea. Treme tudo. O estrondo cala toda a natureza. Nublou. |
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