"Vale o escrito" - o lema encimava o papel de anotação de palpites dos apostadores do Jogo do Bicho. Sem confiar no bicheiro a jogatina desapareceria depressa. Talvez ainda seja assim. O "valor" do escrito me volta à lembrança associado ao exposto por Harari, em seu Homo Deus, sobre a importância da palavra escrita na história da humanidade. O livro traz exemplos curiosos de confrontos entre a realidade física e a relatada em diversos textos. Transparece ali o quanto vivemos em universos de ficção criados por crenças coletivas, lendas repetidas através de gerações. Em paralelo, se percebe também o quanto nos acostumamos a acreditar no que está escrito. A palavra escrita se tornou "verdade" apenas por estar grafada. "Está na Bíblia...", "diz o Código de..." ou "dura lex, sed lex", entre muitas outras expressões corriqueiras, anunciam a verdade a partir de escritos. Como no jogo do bicho, vale o escrito. Solapando-se, assim a própria realidade com um culto ao texto, dando uma aura erudita ao Livro, às Tábuas de Moisés, às Constituições, Escrituras e à tela do iPhone. A palavra escrita adquire dessa forma um status de sumidade, de verdade definitiva. É como se usassem uma capinha semelhante à dos juízes dos tribunais supremos. Fomos nós os autores desse arcabouço a sustentar religiões, tribunais, nações e mais. Na fachada do Hotel Copacabana Palace cerca de trinta mastros agitam aos ventos bandeiras de cerca trinta diferentes países. A Natureza não separou cada um deles de seus vizinhos, mas cada qual tem regras escritas a separá-los e a inculcar no povo a crença na existência daquela nação... Aqui mesmo nos enredamos com palavras como "no princípio era o Verbo...", enquanto no mundo lá fora passeia uma Lua cheia* em conjunção com Júpiter - espetacular! - em meio a rendado de nuvens. * A oposição foi às seis horas e nove minutos pelo Horário Universal. |
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