Notícias

16/04/98



Nada me espantaria se as manchetes de jornais, impressos e transmitidos, surgissem com a notícia de que algum grupo de cientistas, norte-americanos provavelmente, após tantos anos de pesquisas envolvendo mais de tantas mil pessoas, escolhidas segundo critérios também especificados, chegou à conclusão de que o amor faz bem à saúde, ou qualquer outra coisa, ainda mais ululantemente óbvia, se houver. Afinal, americanos gostam de pesquisas. Nós, só fingimos não gostar, a mídia adora suas conclusões e os marqueteiros diriam que o público tem sempre o que escolhe e quer. Em outras palavras, que cada povo tem o collor que merece... Anyway, tevês e jornais dariam detalhes sobre os testes e mostrariam gráficos, tabelas cheias de números e algumas fotos muito coloridas, do cérebro, por exemplo, com as regiões onde se supõe que tais e quais processos, ligados ao bem-estar físico e emocional se concentrariam... Tudo indica que é o tipo de imagem que tem agradado. Tudo não, um incrível sistema de adivinhação que decifra o gosto de mais de dez milhões, por exemplo, numa amostra de 256! Sim, é só isso mesmo, não tem mil depois do 256, não. Talvez já tenham aumentado, diziam que seriam 400, não sei. Alguns editores mais inescrupulosos poderiam, mesmo, usar fotos antigas, para não ter de pagar o preço das novas e ninguém iria notar. A notícia seria verossímil, os norte-americanos acreditam que esses dados estatísticos são mais ou menos a mesma coisa que a palavra de Deus. O fato jornalístico em si seria evidente, óbvio, inquestionável - nenhum risco de furo. As pessoas, eventualmente, comentariam a descoberta no dia seguinte, entre uma mordida e outra no bigqualquer coisa preferido e continuariam a pedir Seilaoquê Laranja, apesar de se tratar de água açucarada com sabor artificial e gás, em vez do suco tirado na hora, da própria laranja... e o problema não estaria na preferência da bebida, mas no modo de pedi-la ao rapaz do balcão. O amor, continuaria a mesma palavra surrada e abusada, para significar tudo e nada. Os namorados continuariam a amar suas namoradas cada um de seu jeito peculiar e as namoradas, a questionar o jeito de cada namorado as amar, comparando-o, não com outros namorados, mas com um príncipe sonhado, que não é nenhum ser real... Ninguém insinua que a namorada tenha sempre muitos namorados ou, o namorado, o mesmo jeito pouco principesco de amar... Só para os profissionais da notícia, eu creio, algo mudaria de fato. Para eles, que se livrariam de uma tarefa para logo mergulhar com todo seu ser em outro assunto, diverso e igualmente absurdo, para eles e para os poderosos... - expressão que me sai assim como sai a fala do bico de um papagaio - pois se olharmos, de soslaio que seja, fica claro sermos todos poderosos, uns mais, outros menos, cada qual com seu próprio tipo e malícia de poder, como fica igualmente claro que toda notícia com cara de prova científica aguça a curiosidade geral e aumenta a sensação de poder do bicho homem... Continuar-se-ia a desdenhar dessa mania, "tão norte-americana", na certa, só porque não é aqui que os cientistas pesquisam e tiram essas mesmas conclusões, pois se muito se fala nesta página sobre o tema é só porque, há dois dias, os jornais das tevês repetem, segundo os ritos de praxe e fingindo surpresa diante do óbvio: remédio mata. Grande novidade, diria Primo Nicolau, com sua particular ironia, para depois explicar, que nos bons romances, à antiga, volta e meia o boticário se envolvia com uma das personagens, para tornar verossímil surgirem os venenos necessários ao crime ou suicídio, à trama, enfim. Mas o tempo da revolução industrial também chegou para tais peçonhas de modo que elas já não dormem em belíssimos vidros, com tampas esculpidas em vidro também, nas prateleiras das boticas. Andam, agora, metidas em cápsulas e pílulas, postas à venda em farmácias e drogarias... É uma droga! Ops! Desde de menino acho gozado esse nome: drogaria! Droga não era maconha nem cocaína nem craque, nem álcool, nem tabaco e, para mim, nem mesmo remédio. Droga era qualquer porcaria, uma interjeição usada quando se achava algo ruim... Daí, me parecer que drogaria era lugar que só vendia coisa que não presta. (Hoje, me pergunto: será?) As notícias da tevê ensinam mais de uma lição. Passa-se adiante todo tipo de informação, digamos, com uma certa leviandade na apuração: uma emissora diz que a morte por medicamentos já é a sexta causa mortis, nos Estados Unidos. Como uma espécie de prova, coloca um minúsculo trecho de entrevista com um médico de lá, mas a edição não permite certeza alguma, ignora-se o que falava antes e o que continua a falar, quando é sumariamente cortado. A outra emissora dá, aos medicamentos, o quarto lugar na lista macabra. Num ponto concordam: a pesquisa, feita por uma universidade de Toronto, Canadá, só acompanhou casos de doentes hospitalizados. Só foi considerado quem tomou remédios no hospital, por indicação do médico... O espaço acabou antes do fôlego e de outras lições...


|home| |índice das crônicas| |mail |anterior||



120