Nada me espantaria se as manchetes de jornais, impressos
e transmitidos, surgissem com a notícia de que algum grupo
de cientistas, norte-americanos provavelmente, após tantos
anos de pesquisas envolvendo mais de tantas mil pessoas, escolhidas
segundo critérios também especificados, chegou à
conclusão de que o amor faz bem à saúde,
ou qualquer outra coisa, ainda mais ululantemente óbvia,
se houver. Afinal, americanos gostam de pesquisas. Nós,
só fingimos não gostar, a mídia adora suas
conclusões e os marqueteiros diriam que o público
tem sempre o que escolhe e quer. Em outras palavras, que cada
povo tem o collor que merece... Anyway,
tevês e jornais dariam detalhes sobre os testes e mostrariam
gráficos, tabelas cheias de números e algumas fotos
muito coloridas, do cérebro, por exemplo, com as regiões
onde se supõe que tais e quais processos, ligados ao bem-estar
físico e emocional se concentrariam... Tudo indica que
é o tipo de imagem que tem agradado. Tudo não, um
incrível sistema de adivinhação que decifra
o gosto de mais de dez milhões, por exemplo, numa amostra
de 256! Sim, é só isso mesmo, não tem mil
depois do 256, não. Talvez já tenham aumentado,
diziam que seriam 400, não sei. Alguns editores mais inescrupulosos
poderiam, mesmo, usar fotos antigas, para não ter de pagar
o preço das novas e ninguém iria notar. A notícia
seria verossímil, os norte-americanos acreditam que esses
dados estatísticos são mais ou menos a mesma coisa
que a palavra de Deus. O fato jornalístico em si seria
evidente, óbvio, inquestionável - nenhum risco de
furo. As pessoas, eventualmente, comentariam a descoberta no dia
seguinte, entre uma mordida e outra no bigqualquer coisa preferido
e continuariam a pedir Seilaoquê Laranja, apesar de se tratar
de água açucarada com sabor artificial e gás,
em vez do suco tirado na hora, da própria laranja... e
o problema não estaria na preferência da bebida,
mas no modo de pedi-la ao rapaz do balcão. O amor, continuaria
a mesma palavra surrada e abusada, para significar tudo e nada.
Os namorados continuariam a amar suas namoradas cada um de seu
jeito peculiar e as namoradas, a questionar o jeito de cada namorado
as amar, comparando-o, não com outros namorados, mas com
um príncipe sonhado, que não é nenhum ser
real... Ninguém insinua que a namorada tenha sempre muitos
namorados ou, o namorado, o mesmo jeito pouco principesco de amar...
Só para os profissionais da notícia, eu creio, algo
mudaria de fato. Para eles, que se livrariam de uma tarefa para
logo mergulhar com todo seu ser em outro assunto, diverso e igualmente
absurdo, para eles e para os poderosos... - expressão que
me sai assim como sai a fala do bico de um papagaio - pois se
olharmos, de soslaio que seja, fica claro sermos todos poderosos,
uns mais, outros menos, cada qual com seu próprio tipo
e malícia de poder, como fica igualmente claro que toda
notícia com cara de prova científica aguça
a curiosidade geral e aumenta a sensação de poder
do bicho homem... Continuar-se-ia a desdenhar dessa mania, "tão
norte-americana", na certa, só porque não é
aqui que os cientistas pesquisam e tiram essas mesmas conclusões,
pois se muito se fala nesta página sobre o tema é
só porque, há dois dias, os jornais das tevês
repetem, segundo os ritos de praxe e fingindo surpresa diante
do óbvio: remédio mata. Grande novidade, diria Primo
Nicolau, com sua particular ironia, para depois explicar, que
nos bons romances, à antiga, volta e meia o boticário
se envolvia com uma das personagens, para tornar verossímil
surgirem os venenos necessários ao crime ou suicídio,
à trama, enfim. Mas o tempo da revolução
industrial também chegou para tais peçonhas de modo
que elas já não dormem em belíssimos vidros,
com tampas esculpidas em vidro também, nas prateleiras
das boticas. Andam, agora, metidas em cápsulas e pílulas,
postas à venda em farmácias e drogarias... É
uma droga! Ops! Desde de menino acho gozado esse nome: drogaria!
Droga não era maconha nem cocaína nem craque, nem
álcool, nem tabaco e, para mim, nem mesmo remédio.
Droga era qualquer porcaria, uma interjeição usada
quando se achava algo ruim... Daí, me parecer que drogaria
era lugar que só vendia coisa que não presta. (Hoje,
me pergunto: será?) As notícias da tevê ensinam
mais de uma lição. Passa-se adiante todo tipo de
informação, digamos, com uma certa leviandade na
apuração: uma emissora diz que a morte por medicamentos
já é a sexta causa mortis, nos Estados Unidos.
Como uma espécie de prova, coloca um minúsculo trecho
de entrevista com um médico de lá, mas a edição
não permite certeza alguma, ignora-se o que falava antes
e o que continua a falar, quando é sumariamente cortado.
A outra emissora dá, aos medicamentos, o quarto lugar na
lista macabra. Num ponto concordam: a pesquisa, feita por uma
universidade de Toronto, Canadá, só acompanhou casos
de doentes hospitalizados. Só foi considerado quem tomou
remédios no hospital, por indicação do médico...
O espaço acabou antes do fôlego e de outras lições...
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