Nudez sem castigo

19/11/97


Mais de uma vez, alguma das doces leitoras me escreveu: cronista, você se expõe demais... Ora, esta simples frase já me assusta como a própria eternidade. Primeiro porque, se não o disse antes, o faço agora: fiquei diabético, como meu avô, logo agora, que descubro serem doces e zelosas as leitoras de peles macias! Depois, porque me pergunto e não acho resposta: o que temem e de que risco cuidam proteger o cronista? Por que o preferem protegido por algum escudo ou concha? Sempre à espreita, numa trincheira virtual?

Na vida real, de carne e osso, tornei-me um eremita. Não de caso pensado, como se diz, por uma opção, mas pela simples incompetência para tratar e conviver com as pessoas e seus costumes, seus hábitos mais banais. Poderia ter dito que é porque a megalópole se tornou insuportável e o que chamam vida, nela, totalmente absurda. Alguns se foram, para cidades menores. Eu, tornei-me um marginal, no sentido primitivo do termo: vivo nas franjas da grande cidade, por indolência, preguiça, inércia... sei lá. Aqui, nesse maluco espaço virtual, é possível experimentar algumas das sensações de existir livre de um corpo... Quer uma prova? O UOL avisa que tem 426 salas para bate-papo que podem receber simultaneamente 10.650 pessoas. Sabem quantos banheiros há disponíveis? Nenhum! Perguntem a qualquer arquiteto quantos banheiros seriam necessários para essa pequena multidão! É mais gente do que tem em muita cidade pequena pelo interior do Brasil! Só salas. Salas, salas e mais salas... nenhuma lanchonete, nenhum vendedor ambulante, com latinhas de cerveja ou algodão doce. Não tem nem mesmo uma carrocinha de pipoca...

A vida real põe seus desafios na próxima esquina: o telefone chama. É uma grande amiga. Conversamos horas... a crônica vai atrasar ainda mais... mas, amigos, amigos! No meio de tanto papo, como não poderia deixar de ser, falamos das coisas que pretendia falar aqui. Parênteses: Esqueci de falar que minha grande amiga, por opção, não tem Internet, mas tem muitos amigos campeões nas aventuras virtuais. Fecha parênteses. Ela também gosta de escrever e fico sabendo que fez um conto reunindo várias histórias verídicas de encontros e desencontros virtuais com algumas incursões no mundo real. Pedi para contar aqui a história que mais me impressionou. Ela, é óbvio, me autorizou.

Moacir já havia reparado o quanto Eliza era jeitozinha e ela, por seu lado, posto reparo no interesse de Moacir... Algumas investidas, ela se faz de morta, toda essa coisa que todos já conhecem... Mas o rapaz é especialista em informática e quis a vida que, um belo dia, Eliza dependesse de seus serviços profissionais. Papo vem, papo vai e ela confessa (inocente?) freqüentar todos os dias uma tal sala papo-cabeça... mais: no meio da conversa disse o apelido que sempre usava. O resto, já se pode adivinhar. Moacir entrou na tal sala, achou quem procurava, começaram a conversar, foram para o reservado (que não é o banheiro, como querem alguns!) e, lá, experimentaram todas as delícias do sexo virtual, seja lá isso, o que for. Conto o que contado me foi. Ora, as delícias virtuais aguçam a curiosidade e o desejo de eventuais delícias reais... Eliza, hoje, procura desesperadamente por Moacir (esta frase não está entre as opções do bate-papo) e ele morre de desejo real por uma Eliza real, que sabe que só o quer enquanto ser virtual... Ela ficou apaixonada. Ele enroscado, porque se descreveu muito diferente do que, fisicamente, é.

Volto às doces leitoras que ameaçam minha diabetes. Por que temer se expor? Aqui, nesse mundo virtual, quero a nudez que me é proibida no mundo real. Passear pelado pelas avenidas, como tenho feito nos sonhos (certa vez fiquei muito intrigado - no próprio sonho - porque andava nu pela Rua Augusta e, mesmo assim, podia enfiar a mão em bolos que não existiam para pegar uns trocados!) Não está aqui o ser real - neste reino, tudo é ficção! O cronistaprendiznão tem carnes nem ossos, não precisa comer (como os deuses e deusas!) nem padece de dores de barriga. Pode ser profilaticamente eliminado com um simples toque no rato. Clique! - e tudo se apaga. É um mundo de faz-de-conta onde uma parte de cada um de nós paira livre para voar por onde bem entender, como nos sonhos mais maravilhosos, que aqueles onde sabemos voar!




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