Ontem, a manhã sorriu sob sol forte, ainda que o céu se estampasse de nuvens. Sob a luz e o calor de nossa estrela, duas borboletas recém eclodidas - é fácil o saber pela impecabilidade das asas - traçavam no ar uma dança espetacular e surpreendente. Iam e vinham em voltas inúmeras ao redor da coluna singular, que cria uma varandinha nesta ermida. Voavam a meio metro do chão de cimento queimado, mais ou menos e, aparentemente, uma perseguia a outra, o que me levou a imaginar serem de sexos diferentes e ter aquele balé fins de reprodução - as borboletas, aliás, têm esta função precípua, algumas nem mesmo têm órgãos bucais, nunca se alimentam e vivem como adulto para o acasalamento e a postura dos ovos pela fêmea, os machos, nem isto - e pareceu-me surpreendente a constatação de não serem idênticas nas cores e padrões de suas asas. Ambas de intrincados recortes, mas a do perseguidor apenas nas cores preto e creme e as da perseguida - pode se ver aqui um preconceito, mas olhem a natureza e verão, quase sempre, o macho a importunar a fêmea sob o imperativo da perpetuação de genes - as asas da perseguida, ia dizer, eram em preto e branco, não creme e, sobre o preto, havia pontos vermelhos, ausentes no macho. Este a voar sempre alguns centímetros abaixo e atrás da dela. Não sou capaz de descrever os 'passos' do balé das borboletas, como não saberia falar dos de um casal de bailarinos nem dos de marido e mulher num salão, mas posso assegurar a beleza da dança, num enredo indecifrável de volteios ao redor da coluna encimada pela carranca de um fauno, gesso antigo, cheio de histórias. A mim pareceu louvarem a luz e o calor daquele fim de manhã. Hoje, está nublado, úmido e frio. Não se vê nenhuma borboleta no ar. Passa, agora, um bando de quero-queros num escarcéu momentâneo. |
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