"Aujourd'hui, maman est morte. - Hoje, mamãe morreu." A frase ecoa em mim há quarenta anos, em francês, como a li aos 17 anos, 18 talvez, já que comprei a brochura poucos dias antes de meu aniversário, mas continua sonora e significativa e contundente: "Aujourd'hui, maman est morte."
É a primeira frase de um livro celebrado, pelo menos naquele tempo, quando ainda se olhava com desconfiança a cultura dos Estados Unidos, seus modismos, trejeitos, filmes adocicados e sanduíches coloridos e se fingia ignorar que a cocacola era made lá, feita com folhas de cocaína... mas, o livro, sim, o livro era "L'Étranger" - O Estrangeiro", de Albert Camus. Começava com aquela afirmação terrível, para logo acrescentar: "Ou peut-être hier, je ne sais pas. - Ou talvez ontem, não sei."
Li tantas vezes ou, quem sabe, em uma idade mais apropriada, o início desse livro, que acabei por saber de cor seu primeiro parágrafo. É um soco na cara, tira o fôlego. Há uns dois anos, vi uma reportagem onde Garcia Marques afirma que acha absolutamente decisivo o primeiro parágrafo, a primeira frase para o sucesso de um romance. A matéria conta que ele ficou muito tempo - não lembro quanto - até encontrar um início de romance que a revista citou como exemplar.
Hoje acordei com a frase viva na cabeça.
É fácil descobrir sinais e significados ocultos, supostamente esotéricos ou de mera superstição, encontrar nas palavras alento e vestígios para toda sorte de cogitação. A morte é um ponto final e ainda assim lutamos com todos os artifícios e subterfúgios para evitá-la. Prolongamos o que não mais existe através de memórias, como reticências num texto, para evitar o ponto final solitário e necessário.
Há dez anos, no dia de hoje, minha mulher morreu. Ou, talvez, no dia de amanhã. Impossível saber.
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