A capacidade de imaginar, fantasiar, conceber quimeras ou plasmar hipóteses - talvez privilégio dos seres humanos - leva inexoravelmente a criar deuses e vidas após a morte.

No dolce far niente da adolescência, estendido na penumbra de um porão sobre um daqueles colchões antigos, recheados de capim, deixava solta a mente a imaginar, fantasiar, conceber quimeras e plasmar hipóteses, sob a iluminação bruxuleante de uma vela comum fincada na boca de um garrafão de vinho barato, desses com capacidade para cinco litros do suco de uvas fermentado...

A vela se consumia como se consomem as velas e, é óbvio, não posso mais lembrar as bobagens que me ocupavam o pensamento salvo, é claro, aquela responsável por este relato. O tempo corria, parecia doce o fazer nada até tornar-se iminente o término da vela ali espetada no gargalo do garrafão.

Na falta de leitura, rádio, televisão e inexistência de selfies, celulares, tablets, laptops etc., o fim da vela se tornou a atração e aquela capacidade tão humana logo imaginou aquele fim como a morte da vela e coisa e tal. Demorou. Demorou mais ainda, a vela parecia não querer se acabar. A chama diminuía depois encontrava fôlego e voltava forte enquanto o cotoco de vela se afundava no gargalo e prolongava o jogo ali estabelecido de vida e morte.

Por fim, o finzinho de vela caiu no fundo do garrafão e os "ventos" de sua queda, por um segundo, a apagaram. Ela, no centro do novo ambiente, encontrou oxigênio bastante para se reacender e, por alguns minutos ainda, iluminar o porão de teto muito baixo com uma luz verde como o garrafão.

Tanto bastou ao adolescente para exclamar em seu silêncio, internamente, "eis a prova da vida após a morte!" Quiçá processos análogos, permitiram à humanidade delinear muitas de suas superstições e algumas de suas religiões.

Thu, 3 Dec 2015 18:56:01 -0200

Bem a proposito lia eu no Sapiens do Yuval Noah Harari... Recomendo. Abraços. Ebert

Grato pela dica.
Acatarei sua recomendação.

Sun, 6 Dec 2015 15:28:16 -0200

adorei.
...ah, acho que tem um erro de concordância em: 'Por fim, o finzinho de vela caiu no fundo do garrafão e os "ventos" de sua queda, por um segundo, a apagou.'

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OBRIGADO!

Erro feio!