O penúltimo

31/12/10

O penúltimo dia da primeira década do terceiro milênio, deste lado de cá do fim do mundo, veio coberto de nuvens, contradizendo todas as previsões e vaticínios da véspera, prometedoras de um dia esplêndido de céu azul e sol beleza, predições em que os os especialistas, ao longo de toda manhã, insistiram, apesar de espessas nuvens se aproximarem mais e mais. Segundo eles, elas logo se dissipariam para o fulgir de formidável sol solsticial, soberano a se esticar ao longo do longo dia de mais de 13 horas e meia.

Em vez disso, vieram de sudoeste ventos fortes e frios, desafio à minha memorável incapacidade de sorrir sem o azul espraiado de horizonte a horizonte e a luz morna do sol a contrastar a paisagem. Fui, envolto ainda nas reverberações de um sonho absurdo, fazer um café, mais ávido que o usual pela bebida, devido à sensação de sono e vontade de dormir que me abatiam, embora tivesse dormido bem. Entorpecido entre vigília e sono, após encher o coador com a água fumegante, esbarrei nele com a chaleira e, consequência inevitável, se espalhou por tudo ao redor a mistura deplorável de água quente com pó de café, desagradável ao olhar a ponto de a chamarmos borra. Derramado o café, se aguçou em mim a vontade de um gole da bebida, fosse pela simples impossibilidade de atendimento imediato, fosse pela abstinência de cafeína realçada pela vontade de dormir e pelo cheiro do café derramado. Todavia, cumpria pegar o instrumental de faxineiro e começar a tarefa ingrata de limpar borra de café, infiltrada em cada ranhura, espalhada por panos e tábuas...

Isto foi ontem, véspera deste dia último do calendário deste mundo do lado de cá, dito ocidental, lar de poderosa minoria, capaz de contagiar com seus ritos a incontável multidão oriental, às voltas com outros bichos para reger e contar outros anos. Apenas a mentirinha do recomeço.

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