O liquidâmbar se destaca, hoje, como singular recorte pontilhista contra o azul pálido de um céu sujo demais. Tecem o quadro, na estrutura de ramos, umas poucas folhas secas, secas demais pelo tempo que tem feito, em tons marrons e sobras de amarelados pertinentes a folhas mortas, entremeadas a um sem número de brotos de novas folhas, da nova geração. Têm um jeito de botões de flores, são verde-claro, um verde pálido e desbotado como de broto de alface. No ramo mais alto, um pássaro preto, esguio, vigia os arredores. Abaixo, outro, parecido, examina os brotos ou algo neles... Uma multidão de abelhas enche o ar. Parecem agitadas e voam como riscos de luz contra a paisagem sombreada. Há tarefa inadiável: a jabuticabeira se esparrama em flores e derrama perfume intenso e delicioso. Inebriante, ele invade a casa as narinas, a alma. Muitos insetos voadores zanzam como se nadasse no perfume. Também esta árvore tem seu momento singular. O inverno se estenderá por um mês ainda. Apesar de secas e inundações, a natureza flui e repõe novos seres onde outros acabaram. A primavera chegará com frutos, pois flores já se esbanjam por aqui. Num canto sombreado, a azaléia destila magentas sobre folhas verde-escuro. Abaixo, multiplicam-se tonalidades nas pontas frágeis de marias-sem-vergonha. O perfume promete jabuticabas e quase tonteia de tão intenso. Outras flores se oferecem às abelhas na expectativa de um himeneu. Minúsculas flores brancas se amontoam em pequenos buquês, os pontos amarelo-intenso salpicados no chão, o vermelho vivo, intrigante, das flores que parecem pompons. A primavera se faz já, nas florações desavergonhadas de tudo, antes do tempo aprazado. A canção da vida segue mansa com o contraponto ora, de um bem-te-vi, depois do sabiá e o perfume assalta... Ah, esse perfume! |
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