autoretrato Crônica do dia

O vento

14/06/07

O vento foi o maestro da sinfonia desta manhã. Por algum tempo soprou continuamente vindo de norte-noroeste, frio, mas não gelado e, apesar de mais do que brisa, não assustou gente nem bicho.

Ao contrário de vendavais, furacões e outros sopros maléficos, que tudo rasgam e destroem em grandiosos espetáculos de poder e energia, o vento desta manhã, nesta encosta voltada para oeste, parecia trazer alegria e encher o mundo de sons. Toda a natureza fazia música e, a seu tempo, cada coisa virava instrumento.

O outono que se acaba apressa as árvores a se despirem das últimas folhas, claro, às que hibernam na nudez para o inverno que se inaugura daqui a uma semana. O vento as transformava em chuva e chuva de folhas tamborilava na queda ao cair sobre outras folhas. Sons encantadores e delicados...

helicônica [imagem da internet]
helicônica [imagem da internet]

O vento contínuo transformou algumas folhas de helicônia em instrumentos musicais, ao fazer com que uma oscilasse sem parar, como uma canoa ao léu, enquanto suas bordas firmes percutiam outras duas. Um som ritmado e ímpar.

Um pássaro, que não sei identificar pela voz, repetia longe: 'cu-cu-cu', com duas notas. Dois grilos dialogavam. Um trilava de um lado e outro respondia mais distante. Os barulhos dos homens, de tempos em tempos, se impunham estridentes. O vento regia sua sinfonia.

De repente, uma nova voz: um sapo extraviado? Voz grave, muito grave, em verdade, o som evocava o trinado de um baixo profundo. Em silêncio, procurei localizar de onde vinha o som e me aproximar de mansinho. Mais alguns passos e lá estava o intérprete: um vistoso pica-pau-de-cabeça-amarela a cutucar um velho tronco morto, ainda de pé, que se transformara em excelente tímpano.

pica-pau-de-cabeça-amarela [da internet]
pica-pau-de-cabeça-amarela [imagem da internet]

Um pio atrás de mim avisou ao percussionista de minha presença. Ele parou, me olhou, e voou como flecha. Logo depois passou outra ave, em vôo semelhante.

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