Onagro

 

A revista PC Magazine, na edição de março (Volume 9, número 3), traz matéria sobre as ferramentas da língua... Calma aí, dona Sabrina, não é nada disso que a senhora está a pensar, ao contrário, é justamente sobre isto, os tais programas para computador capazes de ajudar na antiquíssima e cada vez mais atual tarefa de enfileirar símbolos, associados a sons, que juntos, formam palavras, símbolos também, de idéias ou coisas com as quais, desde que deixou de grunhir, o homem tenta se comunicar e, no geral, se trumbica.

São os chamados corretores ortográficos, com seus dicionários e os revisores gramaticais. A matéria é boa e longa, assinada por Denise Goya. Infelizmente, a matéria não faz parte da revista on-line. Para quem não pôde ver as dez páginas, recheadas de tabelas comparativas e gráficos de testes de avaliação - a revista já não está mais nas bancas - eis um resumo das principais conclusões que delas se pode tirar. O que me move é uma admiração sem limites pelo trabalho dos lexicógrafos, aqueles que se propõe a edificar um dicionário, os dicionaristas.

Aurélio, o autor de nosso dicionário mais popular, relata em seu prefácio na primeira edição, em papel fino, de 1975, já mencionado aqui, alguns episódios tristes e famosos com aqueles que reuniram as palavras de uma língua, numa dada época, procurando definir significados e modismos, pois a língua é viva e, não raro, a palavra fica, mas o sentido muda. A versão eletrônica eliminou esse prefácio. Foi substituído por outro, assinado pela editora.

Além do "Aurélio Eletrônico" e o corretor gramatical da Lexikon, a matéria avalia outros cinco corretores ortográficos e revisores gramaticais. A conclusão mais geral é que os primeiros, os corretores ortográficos, já são razoavelmente eficazes e confiáveis. Quanto aos segundos, os corretores gramaticais, ainda falta muito para se poder confiar.

Os maiores problemas, com todos os programas para corrigir a ortografia, está no reconhecimento de palavras compostas, com hífen, inclusive os pronomes em ênclise e mesóclises. Os que se saíram melhor neste aspecto foram os revisores do WordPerfect e da Itautec. Pelos testes, o WordPerfect também tinha o dicionário mais completo, com pouca diferença para outros dois. Os piores foram o da Itautec e o Michaelis, da DTS. O Aurélio, ganha em sugestões corretas de correção, onde o WordPerfect, o Itautec e o DTS foram os piores.

Talvez por ter ficado com a pior avaliação, o Michaelis era assunto de capa do UOL, outro dia. Copiei a página mencionada e, depois, quis enviar algumas palavras que faltam nos dicionários... aí, ficou claro porque a Internet está cada dia mais chata e os donos do poder cada vez mais abusados - os dois aspectos já apareceram aqui. Para poder ajudar, conforme eles pedem, com o tal Michaelis do novo milênio, o colaborador deve passar (pagando a conta do provedor e da Telefonica, assim mesmo, sem o acento) por um insuportável questionário, daqueles onde só não se pergunta a cor da cueca ou calcinha que o "usuário" está usando! Copiei o formulário, também, para poupar trabalho e mostrar o pau, depois de matar a cobra. É claro que esta cópia não funciona para enviar nada para lugar algum. Serve apenas para deixar perplexo e pedir uma explicação: o que importa o CIC e o RG de quem sugere a inclusão de uma palavra que os lexicógrafos de plantão esqueceram?

É impossível não lembrar o prefácio do Aurélio, na primeira edição: "E dói pensar que o por vezes super-humano esforço de um dicionarista pode terminar com as mais indesejáveis conseqüências físicas, compensação intelectual bem pouco aliciante e resultados financeiros não demasiado expressivos." Então menciona uma deliciosa glosa de Alexandre Herculano aos três organizadores do Dicionário da Língua Portuguesa (1793), da Academia das Ciências de Lisboa, que parou na letra A, em azurrar. Em 'A Dama Pé-de-Cabra' nas Lendas e Narrativas, Herculano brinca: "O onagro fitou as orelhas e .... começou a azurrar; começou por onde, às vezes, academias acabam."

 

Curiosidade: onagro, [Do gr. ónagros, pelo lat. onagru.], que o Aurélio, define como uma espécie de burro selvagem da África e da Ásia e, por extensão, burro; jumento, além de máquina de guerra usada pelos antigos romanos para arremessar projetis, não consta do Michaelis...

 

Publicada em 05 de maio de 1999

 

 

|home| |índice das crônicas| |mail| |anterior|

 

 

168