Once upon a time

11/09/2017

O tempo transforma os mais contundentes impactos em simples relatos de "era uma vez..." Os transbordamentos de emoções e a perplexidade coletiva se transformam em resenhas comportadas na entonação comedida dos contadores de histórias e, assim como os horrores da Primeira Guerra acabaram como lições quase anódinas em salas de aula, dilui-se o assombro de quando assistimos, pela televisão, aviões entrarem em cada uma das duas torres e depois explodirem, para provocar o ciclópico desmoronamento do dia onze de setembro de 2001.

Cada um se recorda, com certeza, onde estava e o que fazia ao ser informado sobre o assalto às Torres Gêmeas do World Trade Center, naquela terça-feira do início do milênio. Passaram-se 16 anos. A rica nação pensou suas feridas e transformou as cicatrizes em monumentos e memoriais, mas o ser humano continua o mesmo, com iguais potenciais para inovar e para destruir. Agora dispomos de novas armas e descortinamos novos horizontes para estratégias inéditas. Quiçá já fermentam novos golpes nunca imaginados, enquanto o "animal racional" permanece o mesmo.

Passados dezesseis anos, o desmoronamento dos dois edifícios colossais tende a se reduzir a mera informação, um punhado de palavras organizadas com o intuito de perpetuar a extraordinária comoção vivida por todos, mesmo se antípoda dos acontecimentos, mas impotentes para substituir os fatos daquele dia.

Por melhores que sejam, palavras nunca provocam a resposta hormonal desencadeada por acontecimentos, pelo vulto daquele ataque, pela ousadia daquela ideia ou pela pilha de cadáveres e escombros daquela terça-feira, dia de Marte, Deus da Guerra.

imagem da internet

São apenas dezesseis anos. Com o correr do tempo restará do fatídico dia onze tanto quanto nos sobra da Guerra dos Cem Anos, por exemplo. Após o maremoto, voltam as marés habituais.

Mon, 11 Sep 2017 10:46:07 -0300

Bom dia, Clode,

Sempre te leio e vou deixando pra depois, mas hoje, o depois conseguiu virar agora.

Primeiro, te agradecer o que escolhe dizer e como o diz. São hiatos importantes que você vai criando no dia a dia da gente. Obrigada por esses momentos sempre preciosos.

E agora, te dizer que o que fala hoje sobre o tempo e o Era uma vez parece se aplicar com justeza a quem não está diretamente envolvido no acontecimento. Imagino, a partir de mim mesma, que quem tem alguma ligação afetiva com quem morreu nesses acontecimentos, que se tornam textos em livros de história, lida de modo diferente, e a ação do tempo também age de outra forma, não acha?

Abraço, desejando boa semana procê.


Helena Katz

Boa tarde Helena.

Que surpresa, não lembrava de ter você entre meus leitores!

Obrigado eu pelo honroso privilégio de um público tão seleto.

Você tem toda razão quanto aos efeitos do tempo para os diretamente envolvidos. Sem dúvida a ação do tempo demora muito mais para quem foi atingido em cheio pela catástrofe, embora eu ache o tempo uma espécie de panacéia universal. Sua última ação vem com o desaparecimento dos sobreviventes. Quem carrega, hoje, consigo as memórias da Guerra dos Cem Anos?

Só aprendi há pouco a gostar de História. No colégio, detestava e pouco aprendi. Gosto, mas sei que a vida está no "aqui e agora" famoso. Lidei (e lido) com grandes perdas e percebo que elas não se apagam, mas se suavizam muito.


Mon, 11 Sep 2017 09:10:09 -0700

assisti o video
nunca tinha visto

eh, palavras sao diferentes de imagens
imagens diferentes de fatos e emocoes

      sem assinatura

O vídeo, depois, me pareceu coisa de Hollywood, mis en cène. Não sei. Existem muitos, para todo tipo de gosto, alguns afirmando a inexistência dos aviões e atribuíndo a dinamite a demolição! Vivemos em um tempo de falsas "notícias", em uma espécie de guerra de palavras e ideias.

Quanto vale, em palavras, uma imagem? E quanto, em imagens (um segundo tem de 24 a 30 imagens!), uma palavra?


Tue, 12 Sep 2017 11:47:11 -0300

Oi, Clôde

Eu lembro perfeitamente. Quando aconteceu, eu estava indo para Goiânia para participar de uma banca, e o colega que me convidou (orientador da dissertação de mestrado que ia ser avaliada, e ex-aluno meu de pós-graduação - Dionísio, que todo mundo chamava da Dida) foi me buscar no aeroporto e me recebeu com a informação: “Bombardearam os EUA!”. Só depois de voltar de lá é que assisti os noticiários a respeito.

Talvez as lembranças mais fáceis de recuperar precisem da ajuda de marcos como esse. Estou meio que surpresa por me lembrar do nome e do apelido de Dida (acho que o sobrenome era Mendonça), embora tenha sido um aluno de quem gostei muito, e com quem tive pelo menos um contato depois dessa banca (ou um de que me lembro bem, localizo). Nomes são o “site” mais fraco da minha memória atualmente. Um dia destes
levei um bom tempo tentando lembrar o nome do Anthony Perkins - só me vinha á memória o Anthony Hopkins, e eu só sabia que não era esse...

Acabei indo prá internet para tirar a cisma - e depois não esqueci mais! Mas volta e meia acontece a mesma coisa com outros personagens desse tipo, em geral os mais antigos - outro dia foi a atriz Susana Vieira, que eu lembro de ver na TV desde quando ainda era solteira. Dos mais recentes, nem se fala - agora nem tento mais aprender - melhor ocupar os restos de neurônios disponíveis com coisas mais interessantes... os de pessoas “de verdade”, por exemplo. Mas parece que esses são mais fáceis de recuperar; andei esquecida do nome da companheira de minha ex-cunhada, mas de repente voltou: Georgina, apelido Gina. Eu, hein? Égua! como diz o povo do Norte... Por outro lado, lembro perfeitamente da primeira vez que assisti Regina Duarte e Antônio Fagundes, muito jovens ainda. em uma peça de Shakespeare (A megera domada), no teatro Aliança Francesa que ficava perto da Maria Antônia, onde eu fazia faculdade - - será que é porque essa lembrança está associada ao Fernando, é do início do nosso namoro? Vai saber...

Sobre algumas de suas crônicas anteriores, a respeito da palavra: você lembra onde é que surgiu a frase “No princípio era o Verbo”? Achei que devia ser no Gênesis, mas dei uma olhada na Bíblia (que eu li bastante - principalmente o Antigo Testamento, que achava mais interessante - no meu tempo de colégio de freiras), mas não encontrei nada nessa vistoria rápida... De repente resolvo incluir na lista de releituras)...

Obrigada pela crônica que refrescou minha memória!
Bjs
Ana

Oi, Ana.

Começando pelo fim, "No princípio era o verbo" inicia o evangelho do São João. A wikipedia tem uma página a respeito desta frase.

Certamente cada um de nós se recorda com nitidez de quando soube do feito extraordinário daquele 11 de setembro. Concordo que marcos deste vulto tenham um papel importante nos misteriosos processos de armazenamento de informação de nossos cérebros.

Eu recebi um inusual e sintético telefonema de meu filho pouco depois de acordar: "Pai, liga a televisão". Liguei a tempo de testemunhar o segundo avião entrar na segunda torre.

Creio que nossa memória tem seus próprios mecanismos de "apagar" velhas informações, provavelmente para permitir novas memorizações. O processo por você descrito do esquecimento e recobro de nome ocorre comigo também. Ontem, ainda, quis lembrar o nome de um arquiteto carioca, famoso a seu tempo, que conheci pessoalmente, cujo escritório frequentara por um tempo e de cujos filhos acabara amigo, mas seu sobrenome sumira de minha lembrança. Quando decidi consultar o Google, antes mesmo da pesquisa, voltou-me: Sérgio Bernardes.

Não sei por que lembramos de umas coisas e de outras, não. Imagino existir uma relação com o "conteúdo" emocional de cada ocasião, mas isto é apenas um chute.


Thu, 14 Sep 2017 11:54:41 -0300

Engraçado você lembrar disso no momento que aquele maluquete lá do Norte se prepara pra desencadear mais uma bomba muito poderosa, pra acabar com um montão de inocentes... como sempre.
E viva o horror das guerras infinitas e eternas, né?

E viva Sol!!!

      sem assinatura

Lembrei-me por causa da data. Foi escrita no último dia onze, aniversário do atentado.

Engraçado você falar no maluquete da Coreia do Norte no dia em que falo dele na croniquim de hoje...

Em sintonia...

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