Abriu a porta uma senhora de cabelos grisalhos apanhados num coque e agasalhada por uma mantilha carmim. Seu porte elegante era quase cardinalício. O olhar altivo se acentuava diante da figura risível do policial a ostentar reluzente distintivo, cartucheira e algemas, penduradas no cinturão. Ele pigarreou, gaguejou e por fim falou de uma denúncia da existência, ali, naquela casa de número 485 daquela rua distante, nos confins da cidade, de atividades antigas como a humanidade, vedadas, porém, pela lei, seja a dos homens, seja a de Deus. O homem da lei limpou outra vez a garganta e, sem mencionar o nome de Justina, sua velha conhecida, pois pelos arredores não havia outra 'empresa', ainda que ilegal, a fornecer os serviços imprescindíveis quando imperativos biológicos impõem aos homens cumprir os desígnios de incontrolável fúria reprodutiva, procurou, após pigarrear, dizia, palavras em seu escasso acervo para justificar o inarredável de cumprir ordem superior de investigação e elucidação cabal dos fatos para pronto restabelecimento de toda verdade com imaculada transparência. Justina sorriu consigo, mas se manteve solene ao dizer: cabo Caio, todos sabem ser aqui o meu bordel, não obstante usarem diferentes nomes para minha casa, inclusive, lupanar, uma exclusividade do senhor juiz. Não sei de homem desta cidade que não tenha vindo aqui, pelo menos para conhecer e olhar, nem de moças ou damas que ignorem o que aqui se faz. Que frescura é essa de investigação, Caio? Diga logo o que querem de mim. Freguês antigo do lugar, o policial tentou, desconcertado, explicar a situação, pôr os pingos nos is: sabe, dona Tina, todos sabem e todos fingem não saber, a senhora sabe. Agora, como denunciaram, os homi mandou fingir essa investigação modo de evitar se venha, de verdade, investigar. |
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