autorretrato 

Outro anoitecer

29/01/15

Caminhava à beira-mar na hora do lusco-fusco. A leste, uma espessa cortina de nuvens criava um fundo muito escuro a recortar e destacar a paisagem. Para o sul, rumo ao oeste, o céu se abria e a linha incerta a separar o céu do mar se estendia plácida, interrompida apenas por perfis de embarcações distantes. Na direção do ocaso, as nuvens ganhavam tintas luminosas, a sublinhar extensa gama de rosas e alaranjados em forte contraste com um fundo azul muito puro.

Toda essa luminosidade, do lado onde o sol sumira, se refletia, agora, no espelho imenso e imperfeito de centenas de janelas da fachada do prédio mais alto, imponente, e acendia em fogo o hotel megalomaníaco contra aquele fundo escuro do leste. A cena impressionante mudava continuamente conforme seguíamos e, volta e meia, uma moldura de folhas grandes, típicas daqui, dela recortava um trecho do brilhante painel contra um fundo pétreo da tempestade ainda adiada.

Como todo corpo abandonado a si mesmo mantém seu estado de movimento e, após exaustiva busca, não se encontrou sequer o hipotético éter a permear o vazio, o planeta seguia a girar e a alternar-nos noite e dia e o fim deste com a aproximação daquela mudava de forma rápida e marcante a iluminação da paisagem. Certamente milhares de braços se estenderam para o leste e para o oeste com telefones, tabletes e outros aparelhos aptos a registrar a cena.

A banalização do registro em imagem, quer estática, quer dinâmica, mudou nossa relação com tais documentos. Em apenas um século fomos do fotógrafo contratado para o retrato da família em roupa de gala à bilhões de imagens de tudo, em toda parte, espalhadas por todas a redes.

Escurecia. O hotel acendeu as letras garrafais de seu nome no alto do prédio mais alto da praia. Naquele momento elas se igualavam em luminosidade ao fundo escuro.

Thu, 29 Jan 2015 12:06:43 -0200

O primeiro por do sol descrito com a preocupação de não se tornar uma banalidade postal.
Me lembrei da Maureen quando fomos juri de um concurso. Ela queria criar uma modalidade POR DO SOL e nunca mais aceitar nenhuma foto disso daí pra frente. Pode ser uma idéia!
abraço
Rosely Nakagawa

Bem, não era uma fotografia mas, como dissestes, uma descrição, categoria de redação da escola primária, onde tínhamos que descrever 'cromos', gravuras grandes, coloridas e brilhantes penduradas pela professora na frente do quadro-negro. Tenho certeza, por outro lado, que a Maureen não baniria todas as fotos de entardeceres... Aquela célebre do Adams, com a lua boiando sobre um pequeno cemitério, duvido que ela rejeitasse.


Fri, 30 Jan 2015 16:44:49 -0200

ADOREI, que bom, está descrevendo paisagens, ocasos, luminosidades, e coisas.
Não entendi uma palavra na 10ª linha: acendacendiaia

      sem assinatura

Eu também não entendi (achei-a logo depois de mandar e corrigi) era um simples acendia e - não sei como essas coisas acontecem no meio de tanta tecnologia - transformou-se naquilo.
Que bom que gostaste.

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