Outro sonho

08/11/12

Sereno, qual transatlântico dos ares, o avião seguia com ronco uniforme a confirmar a normalidade do voo. Ia cheio de passageiros, embora, não os percebesse individualmente, mas como turba anônima e sem face. Eu não estava na janela, mas via a paisagem do alto como se o próprio aeroplano não existisse. Os sonhos nos permitem superar meras imposições da matéria.

Notei a presença de lindas e imensas nuvens, dessas que se erguem isoladas, como colunas, e ao procurar ver suas sombras sobre a terra, notei a existência de outra camada de nuvens, lá embaixo, estendida como denso tapete, na qual se viam indistintas as sombras dos cúmulos-nimbos.

Depois desta visão, percebi estarmos numa emergência. Perdíamos altura. Sempre alheio a qualquer passageiro em volta, mas cônscio do conjunto deles, passei a procurar indícios do que se passava com o voo. Vi a ponta da asa passar muito próxima de uma encosta e deduzi uma tentativa de pouso de emergência, o que logo me descortinou, através da fuselagem da nave, longa e irregular estrada de terra espremida em estreito desfiladeiro. O piloto, certamente, iria tentar ali o melhor pouso possível.

Olhava para o lado e via as paredes escarpadas da garganta passarem rente a ponta da asa e, como disse, olhava para baixo e deleitava-me ao ver tudo com detalhes através do avião: passou um velho fusca, vinho, em sentido contrário; a estradinha ia se afunilando até muito longe, com o ar típico de cena rural brasileira; longe, umas galinhas, ou melhor, dois galos - apesar da distância, percebia serem dois galos separados por um bom trecho de caminho; notei algumas pedras, grandes no meio da estrada. Poderiam dificultar o pouso...

Cada sonho nos encara esfíngico e quase nunca os podemos decifrar. Há quase dez anos, anotei outro sonho, também com um avião que caía.

8 de novembro de 2012 17:02

 muito linda essa descrição!

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Tentativa de evitar que o sonho se desfizesse como espuma ou bolha de sabão...


November 8, 2012 7:21:14 PM GMT-02:00

Muito bom! O sonho e o texto. bj

      sem assinatura

Obrigado. Desconheço o autor do sonho, infelizmente, tanto que o chamamos de inconsciente... Quanto ao texto, acaba-se aprendendo pela repetição.


November 8, 2012 11:45:33 PM GMT-02:00

Genial. Sonhos nítidos são os maiores baratos de dormir!

      sem assinatura

Sempre senti assim. Em certa época, achava possível nunca acordar desde sonhasse, sonhasse e sonhasse. (Mas, ao mesmo tempo, queria a garantia de lembrar-me dos sonhos, o que implicaria em acordar...)


November 9, 2012 5:05:52 PM GMT-02:00

e como acabou o pesadelo???????????

      sem assinatura

Como sempre, acordei. Acordei antes da aterrissagem.


November 12, 2012 9:15:11 PM GMT-02:00

... e que engraçado, meu irmão...
acabo de ler o seu sonho alado... e ontem, ao desembarcar em São Paulo, em Congonhas, fim de tarde... pimba: um avião perdeu o controle e mergulhou no fim da pista... e logo todos os pousos e decolagens foram suspensos. eu não tinha saído de Congonhas porque tentava localizar o paradeiro de nossa mala de equipamentos (estava voltando de uma viagem do interior de Minas)... e ninguém nas esteiras por onde deveriam estar chegando as bagagens...
a vida é mui sapeca: gosta de surpresas. boas ou ruins... mas sempre surpresas.

     bom pouso ai.

     bjo, meu irmão

Sim, a vida dá sempre um jeito de nos desafiar à compreensão mas, quase sempre, somos muito preguiçosos... Vi as notícias e imagens do avião que escorregou.

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