Explícito, Noel Rosa contou dos cigarros de seu: "João Ninguém / Não trabalha e é dos tais / Que joga sem ter vintém / E fuma Liberty Ovais". Liberty Ovais! Cigarros no formato de lábios entreabertos a evocarem um lado esquecido do tabagismo, ante tanta pregação contra fumar: o charme. A persistência de campanhas baniu o glamour construído em torno do vício. Do acondicionamento dos cigarros ao abrir da embalagem, pegar um, bater a ponta para firmar o fumo, levar à boca e acender - um ritual, uma celebração. Ponteiras, para o papel fino não grudar nos lábios, depois os filtros, até os de carvão ativado! Guimbas com marcas de batom aguçavam a imaginação de roteiristas e apaixonados e tudo parecia conspirar, até significados atribuídos a "Smoke Gets in Your Eyes" tornavam fascinante o ato idiota de fumar.
Hoje, rarearam cinzeiros e isqueiros feitos como jóias e a elegância das longas piteiras, aguçadoras de devaneios. Esvaíram-se enigmas lançados como anéis de fumaça - agora se fuma por necessidade fisiológica. Muito transbordou dos versos de Noel, da forma ovalada dos cigarros do Ninguém. Lembraram-me outros, ovais também: os 'Petit Londrinos', da Tabacaria Londres, no Rio, menos famosa que a de Lisboa, mas igualmente sedutora, com balcões inclinados, com tampas de vidro emoldurado por madeira envernizada, para o freguês as levantar e pegar a carteira escolhida.
Com o primeiro dinheiro que ganhei, atravessei a Sete de Setembro e entrei na Tabacaria. Acho que, além dos 'Petit Londrinos', comprei os usuais, 'Mistura Especial Finos Lisos', em maços azuis como os inesquecíveis 'Gauloises', franceses. Levei, ainda, os charutos que me levaram ali - cortejava os símbolos de riqueza - à noite, iria de táxi...
Cigarros moldados para lábios entreabertos! O formato, no entanto, era só outra demão no dourar da pílula fatal. |
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