Na manhã fria, a abóbada se estende uniforme, branca e luminosa sobre este recanto perdido do lado de cá do fim do mundo e, contra ela, cada copa se recorta negra e indecifrável.
Três aves barulhentas chegam entre gritos estridentes e pousam em meio aos galhos quase nus do abacateiro carregado de frutos. Entre folhas e abacates é impossível distinguir os animais além do vulto e gritos, devido à condição de luz. Gritar que se impõe, imperativo, entre piares outros e a cantoria de grilos. Sim apesar do frio, amanhecer de 12 graus Celsius, ainda persistem os diálogos destes cantores rasteiros a atapetar o fundo musical.
As aves, no entanto, não buscavam as frutas que amadurecem agora e, logo, uma partiu, com estardalhaço sonoro, para o leste; depois outra e, por fim a terceira como na ciranda onde acodem três cavalheiros de chapéu na mão... Não demorou muito, no entanto, para que se ouvissem batidas ritmadas, um tamborilar de nó de dedo em porta de madeira e, em outro tronco, oblíquo sobre a rua, destacou-se, ainda contraluz, um pica-pau e seu penacho. Tudo recortado contra o céu, sombra chinesa sem cor.
Foi então que me pareceu perceber outro tipo de comunicação entre aquelas aves, algo de que não ouvira falar. Uma, diante de mim, tamborilava rápido no tronco. Parava e, aí, se ouvia o tamborilar vindo do noroeste. Durante algum tempo me pareceu que as duas se entendiam como os índios norte-americanos, por um código de batidas em tambores, cada uma percutindo seu tronco no silêncio da outra.
No dia que começava os sons se impunham na paisagem sem sol. Desde muito cedo o uivo do cão penetrava tudo, eco melodioso de seus ancestrais. Não demorou muito e um alarme disparou, infernal, a alternar zumbidos, sirenes e campainhas irritantes. Uma surpreendente paisagem para cegos.
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