"Às vezes tenho idéias felizes,
Idéias subitamente felizes, em idéias
E nas palavras em que naturalmente se despegam...
Depois de escrever, leio...
Por que escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...
Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta
Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?..."
A mim também repito a pergunta de Pessoa. Sem qualquer comparação, é óbvio, quanto ao valor do que se escreve, deitando os olhos apenas no fenômeno de se poder escrever o que parece surpreendente e até inédito para nós mesmos.
Digo isso para tentar responder à leitora que, depois de ler a crônica de ontem, escreveu: "Não entendi a moral da parábola..."
Bem, pelo menos ela sabe tratar-se de uma parábola - eu, nem isso. Não tenho qualquer explicação para a história da raposa. Saiu-me assim. Não procurei nenhuma lição ou moral. Foi saindo e fui deixando - pena, que sem caneta nem tinta - mas no tamborilar teclas em que nosso escrever se transformou. Acontece com certa freqüência. Quase sempre resulta num pedaço de texto sem fim, um início de alguma coisa que desconheço e sou incapaz de concluir.
A história da raposa era um desses pedaços que, ao reler dias depois, fez surgir, sabe-se lá de onde, a loira leoa para pôr um ponto final. Não evoca nenhuma "realidade de ordem superior", como o dicionário define parábola. Eu não tenho, para ela, nenhuma explicação. Consola-me, apenas, que outra leitora disse ter gostado muito da historinha. Talvez ela possa nos mostrar o que ficou oculto para quem escreveu e para quem leu...
Por isso sempre achei uma bobagem alguém se arvorar em "dono da idéia". Como diz o poeta, às vezes temos idéias felizes, que podem ocorrer à mim, a você, a qualquer um. Elas estão aí, no ar que respiramos. Se nos ocorrem, é porque naquele momento fomos capazes de sintonizá-las e nem sempre, quando as sintonizamos, somos capazes de compreendê-las.
Publicada quarta-feira, 23 de junho de 1999
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