Publicação esporádica para se perder como inútil mugido de vaca.

Pé de cachimbo

30/09/13

Durante a maior parte da vida aceitei sem explicações a 'ideia' de um "pé de cachimbo". Nem mesmo cogitei jamais se o ditado, tantas vezes ouvido e repetido, se referia a um pé, órgão de locomoção ou a um pé de planta qualquer, no caso, uma capaz de produzir cachimbos. Parecia-me natural, diante da constatação do dia da semana, ouvir o velho refrão: "domingo, pé de cachimbo". Não faz muito tempo, ouvi pelo rádio a explicação de alguém que, como eu, entendeu "pé" vida afora em vez de "domingo pede cachimbo".

Pode-se levar uma vida para descobrir um equívoco bobo como este. Talvez outras certezas, por nós brandidas com vigor, também sejam fruto de incorreções parecidas.

contei aqui um certo espanto, da infância, ante o casamento de uma viúva com um sino, ainda mais por ser um sino de bonde, mera campainha. Na canção infantil, se oferecia à viúva dois noivos potenciais: um seria o sino do bonde; o outro, o senhor general. Só mais tarde compreendi ser um deles, o tal "sino do bonde", em verdade o "filho do conde".

Ah, quanta certeza temos de nossas certezas! Com que firmeza as defendemos, sob a obstinada convicção de um 'eu sei' - e 'sabemos' até descobrir nosso engano. Ao longo de tantos anos, ouvi muitas historias de pessoas que acreditaram por longo tempo em algo que 'não era', até descobrir o próprio erro.

Os deslizes citados envolviam apenas palavras, simples símbolos de fatos, ideias ou o que quer que seja, derivam da ferramenta fundamental, o vasto código que aprendemos nos primeiros anos de vida e nos separa dos outros animais. Nós os dizemos irracionais, a alimentar nossa vaidade e, todavia, eles parecem mais capazes de amar do que nós.

A leitora perspicaz e o arguto leitor já perceberam ter emergido tudo isto ontem, um domingo chuvoso sem que ninguém pedisse cachimbo.

30 de setembro de 2013 06:53

Sempre um prazer desfrutar as reflexões do amigo. Temos horror ao vazio. À ausência de significado também... Assim vamos preenchendo as lacunas que as falhas perceptuais vão criando. Já ouvi quem fosse "distrair" um dente, e quem evitasse uma ladeira por ser muito "ingrid". Mais a melhor mesmo foi um garoto de seus sete anos cantando Oh rapidez, oh rapidez... O melhor humor é sempre o involuntário.

Abração

Ebert

Prazer maior ouvir os sábios comentários do amigo. Confesso, todavia, minha ignorância quanto à música original que o menino substituía por "oh rapidez". Sou uma nulidade nesse campo musical.

Abraço


30 de setembro de 2013 08:05

Clode, sino do bonde como pretendente é muito bom 1 bj

      sem assinatura

E os bondes tinham mesmo uma campainha (ou "sino") de metal amarelado, em forma de campânula, percutida por uma haste com uma bola na ponta, onde terminava a corda que corria por todo veículo... Criança, me encantava aquele "sino", bem como os demais petrechos do bonde: a manivela de controle da velocidade, o freio e, principalmente, o pedal que liberava breu sobre os trilhos, quando o bonde derrapava... Coisa de menino.O que ignorava era o significado pleno de "casamento".

bj


30 de setembro de 2013 10:36

Sempre ouvi pé de cachimbo tb... Uma professora da Ana, na música Sítio do pica-pau amarelo ouvia "o sol nasce em jacksonbelow" e perguntava, onde é isso. Como se sabe a música canta: o sol nascente é tão belo...
:)

Você sempre me superestima. "Como se sabe", mas eu não sabia. Não conhecia a música Sítio do Pica-pau Amarelo... Monteiro Lobato, para mim, foi leitura, de cabo a rabo.
bj


30 de setembro de 2013 18:24

MUUUITOOOO BOOOMMMM!!! Adorei, também pensava que era pé de cachimbo, que bobagem!!! gostei muito do que vc diz aqui:
Ah, quanta certeza temos de nossas certezas! Com que firmeza as defendemos, sob a obstinada convicção de um 'eu sei'

Às vezes me parece que nos falta um "será que" ou "acho que pode ser, talvez, "me parece"...............

      sem assinatura

A mim, muitas vezes, e quando olho para trás, a falta dos "talvezes" se torna incomensurável. Pois é, né, pede cachimbo.


30 de setembro de 2013 19:06

e pudinho de leite?
parecido com padrinho, de quem eu gostava tanto
tanto quanto o tal pudim de leite

aprendi logo com a cartilha e o e b a bah ser pudim ... e não pudinho
que decepção!

adorei o desenho

MUITO apropriada a observação sobre nossas certezas, brigas acirradas por elas!

      sem assinatura

São muitos os exemplos. Cada pessoa traz a sua história. A mente preenche as lacunas do jeito que pode. Sim, brigamos por certezas que logo o deixarão de ser...


01 de outubro de 2013 19:03

que lindo o seu pé de cachimbo...

meu irmão.

      sem assinatura

Não falas do desenho, certo? Achei-o bem feinho...


20 de outubro de 2013 17:22

Muito legal!
Me identifico com seu engano, sempre achei que fosse alguma expressão popular de sentido perdido no tempo.
Te conto outra ótima: quando era criança, estudei NO Externato Elvira Brandão. Nas aulas de música, aprendíamos, entre outras coisas, o Hino nacional e os demais. Durante vários anos, cantei Elvira do Ipiranga, achando que tivesse alguma coisa a ver com o colégio...
Bjs
Ana

Que delícia! A toda hora cometemos esses equívocos, até desvendá-los um dia.

|home| |índice das crônicas| |mail|  |anterior|

2456565.61882.1187