Ao reler a crônica "A hierarquia dos sentidos", dez anos depois, entre tanta coisa de que não gostei, achei uma encantadora. Não foi frase ou palavra nem algum parágrafo mais metido. Agradou-me, sim, o desenho publicado à guisa de ilustração. Obra de uma, então, quase adolescente, o desenho me pareceu ainda mais admirável uma década depois, ainda. Não critico nem comento a obra. Com ela só me deleito e dou testemunho do quanto me apraz. Ela se basta e não demanda cicerone ou intérprete. Quanto mais a olho mais me encanta! Melhor seria a expor, ainda que sem o consentimento da autora. Ei-la! Com sua moldura autóctone e, de quebra, o prego a pendurá-la. Ei-la em suas cores excelsas com seu abraço cubista. Ei-la a resumir a constatação perene de ser a íris, a bolinha de gude do olho, que define o olhar. (Quantas borboletas e mariposas se transformam em faces ameaçadoras, para o eventual predador, pelos olhos desenhados em suas asas.) No desenho quatro pontos nos põem em contato com o peixe e a galinha. Ah, sim, quase esquecia: a autora, de 12 anos, chamou o desenho de 'Peixe-galinha'. O dicionário não registra tal verbete, mas traz 'peixe-galo': "peixes teleósteos, perciformes, da família dos carangídeos, do gênero Selene". Definição com certeza tão enigmática para a autora quanto para mim. Ao dar o nome ela só quis, suponho, tornar inequívoco o casal emoldurado. O artista traduz sussurros do inconsciente. Cada um tem sua caligrafia, mas o que o transcende independe dela. Arte são esse ecos do incomensurável, adormecido no inconsciente de todos os homens, naquele chamado por Jung de coletivo, vem da herança dos tempos pela voz, mais ou menos competente, do artista disponível. Depois de tanto verbo por uma imagem volta a velha pergunta: vale, mesmo, mil palavras cada imagem? |
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