De longe, vi umas poucas folhas se mexerem de um jeito que nenhum vento poderia explicar. Eram folhas perto da ponta de um longo e flexível ramo de liquidâmbar e o movimento lembrava os pompons gigantes agitados por dançarinas nas praças esportivas. Fui ver de mais perto, com os cuidados indispensáveis para não espantar o que quer que fosse. Junto a ponta deste galho, sobram restos do que foi, um dia, uma radiosa palmeira imperial. As ruínas do tronco abrigam algumas vidas e estas atraem outras, na tal luta que escolhe quem deve sobreviver, não apenas como indivíduo, no curto prazo, mas também como espécie ou mutação, como embriões de novas alternativas na maravilhosa palheta da vida. Entre bobagens que tais vi, da cavidade da ruína de palmeira, se projetar um longo pescoço espichado e a cabeça imponente de um pica-pau de penacho amarelo. Entretido com seus afazeres na face externa do tronco, parecia-me capaz de responder, se lhe dissesse 'olá'. Bastou, todavia, um passo à frente para a ave notar minha presença e, com elegância, voar em direção oposta. Ao longo das eras, quase todos os bichos aprenderam a ver no Homem um predador temível, uma ameaça a evitar. A fábula do Paraíso, com homens e bichos lado a lado, na boa, capazes de um entendimento além da fala, ilustra a possibilidade de uma alternativa de convivência da humanidade com a natureza.
Se houvesse um colapso de todas as bolsas, se todos os impérios afundassem na própria ganância, se a avidez asfixiasse cada transação, se algum terremoto - real ou virtual - pusesse por terra tudo que o gênio humano erigiu e, de roldão, levasse a obra dos milhões de séculos a dar origem e aperfeiçoar e variar a vida, muito provavelmente surgiria, em algum canto, um broto - de fungo, de alga, do que for - brotaria a semente de uma próxima tentativa... |
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