Penúltimo
30/12/13
A paisagem se agita mansamente. Cada folha só para por um instante e logo leve brisa ou mesmo vento a faz oscilar como sutil aceno. Entre tantas nuvens, também o sol faz aparições raras e momentâneas. Ouve-se um único piado, monótono, e o som irritante do caminhão de gás. Dir-se-ia reinar um sossego cheio de apreensões, talvez pela iminência de chuva, talvez pela certeza de um fim, ainda que final meramente convencional. Sim, o fim do ano poderia ser em qualquer outro dia, o calendário deriva de alguns aspectos astronômicos e numa série de convenções. A partir de 1582, um número crescente de povos adota o calendário gregoriano e, por ele, o ano acaba amanhã. Aqui, com um leve suspense climático, sublinhado por constante clarear e escurecer do dia. Tem-se, assim, um fim e um começo do que não acaba nem principia. A sequência dos dias continua incólume, ainda que se recomece a contagem de novo ciclo em torno de nossa estrela. Com a mesma arbitrariedade com que se elege um ponto qualquer de um círculo para ser seu início e fim, se escolheu o dia de amanhã para congraçamentos e celebrações, para grande algazarra e ensurdecedor estardalhaço à guisa de comemoração. O sol encontrou uma brecha mais ampla e azul e traz consigo novos pios, ainda que o vento insista em movimentar a paisagem quase a ponto de estontear. O ronco de um avião ecoa longe a evocar trovoadas. Também distante, um alarme disparado se repete inutilmente. Se não há mais tempo para fazer neste ano, existe um ano intacto pela frente a renovar esperanças, decrescentes até o final de 2014, dando a tudo novo brilho de possibilidades. As formigas continuam a carregar pedaços de folhas para seus formigueiros, alheias aos ritos e significados das coisas das gentes. Ainda restam algumas horas deste 2013, aproveitemos pois. |
30/12/2013, at 14:38 Belíssima crônica, Clode. Belo voto, Elisa. 30/12/2013, at 14:44 "As formigas continuam a carregar pedaços de folhas para seus formigueiros, alheias aos ritos e significados das coisas das gentes", resume com perfeição minha sensação sobre toda essa "agitação gregoriana". Entendo a necessidade humana de ritualizar a realidade como uma defesa contra o nada que se avizinha. Descrente, entendo que a evolução privilegia a crença como elemento aglutinador e organizador do social e amparo psicológico no indivíduo. Se pudesse, acreditaria numa transcendência qualquer. Deve fazer muito bem a mente... Não sei... acredito que a verdade seja mais capaz de fazer bem. Os ritos sempre foram um desafio à (minha) compreensão. Nos tempos da enfoco, a Maureen louvava os ritos e eu a ouvia com suspeição... Sublinhe-se, aqui, seu "se eu pudesse" - ele diz tudo. 30/12/2013, at 19:02 Ei, Maninho sem assinatura Bela cônica (ou poesia) o seu comentário! 31/12/2013, at 17:00 gostei mesmo das formigas alheias aos ritos Merci. 06/01/2014, at 12:21 nossa, que lindo! Pena que só li hoje, pois não tive tempo no dia 30 (nem 31) - confirmando, aliás, oque vc diz aqui: 'Se não há mais tempo para fazer neste ano, existe um ano intacto pela frente' sem assinatura Inauguraste muito bem o ano, então, intacto! |