crônica do dia

 

Periferia

19/07/05

 

Céu cinzento cheio de pipas. Pipa, papagaio, arraia, cafifa, quadrado. Máquina do sonho de voar da meninada. Os gritos anunciam a queda de um quadrado. Azul, e cai lentamente, como se relutasse em deixar seu patamar de gaviões e urubus para se rebaixar a nosso nível. Azul e linda. Bóia e dança ao descer. Um moleque corre em sua direção. Caprichosa, ela pousa no topo da moita de flores murchas, que imitam girassóis e, agora, são restos marrons. Alta, é impossível de alcançar. Vem outro moleque, menor, com uma vara de bambu em punho. Quando me aproximo ele já volta com seu troféu azul real, triunfante.

São precárias casas e pequenas, famílias numerosas, sem computador, game, cinema e parque. Resta a rua, o vento do inverno, o cerol e muitos cães. Inútil alertar para o perigo dos fios elétricos. Mais inútil ainda querer proibir o cerol. Diriam, se filosofassem, para antes convencer os norte-americanos a acabar com bombas, e metralhadoras e tudo que carregam nos aviões - o cerol deles. Dos fios elétricos pende um par de tênis atados pelo cadarço. Visão comum que nunca entendi. Pela rua, muito íngreme, sobe um homem forte com uma pipa sem cabresto na mão. Preta e laranja, a pipa.

Passa uma mulher, uma adolescente com uma criança no colo. É magra. Segue em passos rápidos com uma tira de pele exposta ao vento frio na altura dos quadris. De uma oficina de carros zumbem e rugem máquinas barulhentas e marteladas. Adiante, um terreno grande, tosado de máquina zero, serve de pasto a muitos animais. Os donos são netos e bisnetos de toda aquela redondeza. Agora, há uma égua de pelo brilhante, cabras e cabritos, galos e galinhas com muitos pintinhos. Passa uma charrete com um menino. A égua corre para ver, depois galopa agitada no cercado apertado. Cavalos gostam de companhia.

São os arredores da São Paulo ilimitada.


 

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