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Permissão08/06/05A aranha começou a tecer sua teia, apesar do orvalho, nos restos da teia da véspera. Repetia a cada manhã o mesmo ritual até obter uma armadilha perfeita - eficaz e bela. Cada lado da estrutura tinha, no mínimo, cem vezes seu tamanho. Vê-la trabalhar enchia de paz e silêncio, apesar do rádio que, ao fundo, divulgava novas denúncias, acusações e delações de um mundo tecido por outros fios. Falava-se, na essência, de avidez, de ganância, de inveja de concupiscência, como se dizia há algum tempo, de sexo, drogas e... Não! Ninguém lembrava de rock, a dança era outra. Um pra lá dois pra cá, ou sei lá eu, que nunca soube dançar. O número apocalíptico: os dois parágrafos acima somam exatos 666 toques, como se dizia no tempo da máquina de escrever. As de hoje, além de escreverem, sabem nos encher a paciência e muito mais. O denso nevoeiro se desfaz como degelo de velha frigidaire - eis como os franceses, logo eles, chamavam seus refrigeradores e, talvez, ainda o façam, logo os franceses! - e do degelo a terra bebe ávida cada gota e as plantas agradecem. A natureza é capaz de surpreender a cada manhã. São outros os seus mistérios. De repente, muitos pássaros aparecem e, pouco depois, todos se vão. Por quê? Pouco antes, era tanta a névoa e tão grande o gotejar das folhas, que pareceu chover. Aí, ao pé quase nu de folhas, mas carregado de frutos de chico-magro, chegaram inúmeras aves, grandes e pequenas, de enormes pombos verdadeiros a beija-flores, que nem pousaram. Outras árvores também recebiam seus visitantes, inclusive o velho tronco de ipê, quase morto, onde um belíssimo passarinho que descrevi outro dia, vem comer os frutinhos de uma epífita. Logo, todos se foram. O rádio seguia cheio de boas intenções e slogans por um mundo melhor. Ao norte, a claridade anunciava que o sol venceria as nuvens. |
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