Ela disse aquilo de repente, ou não? Foi numa tarde de sol morno de outono, ou seria de primavera? E subíamos devagar a Rua da Consolação, na velha Brasília, ou já teria trocado de carro? Impossível resgatar e é bom que assim esteja, coberto pela velatura de um tempo que também não se pode nem quer contar. Em busca do detalhe, da investigação policialesca, o afã de bisbilhotar, a atração pelo mexerico - tudo afasta da essência, impede a clareza e o discernimento imprescindíveis à compreensão. O jornalismo, hoje, parece buscar mais a lágrima do leitor do que relatar com isenção fatos. Parece estar mais interessado na intriga novelesca de envolvidos ocasionais que no acontecimento social. Isto é: a lente das redações, que focava a sociedade, se volta cada vez mais para a janela do vizinho, o banheiro da vizinha... Como grande entretenimento ou pretexto de elucidações, se devassa a intimidade pessoal e, se possível, se divulgam os resultados. O voyeurismo parece tão elegante como foram, há cem anos, as corridas de cavalos... Ah, sim. O que me disse ela, naquela tarde ensolarada, de luz oblíqua, prenúncio do verão - ou seria do inverno? - pela Consolação... Mas o que disse? Ora, algo pessoal, que não esqueci, não esqueço e não esquecerei enquanto esta cabeça funcionar como agora. Uma coisa à toa, uma coisa inesquecível. Cada um de nós tem um momento ímpar, seja lá qual for, ou muitos deles. Eles existem em nós e, mesmo que quiséssemos, seria impossível compartilhar o que se fez do imponderável de nosso ser. Só nós vemos nossos fantasmas - outros não os podem caçar.
Não importa o que ouvi, o quanto me são gratas, ainda hoje, aquelas palavras bobas, que só existem para mim. É bem possível que nem quem as disse saiba a que me refiro aqui. |
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