28/01/00
Não é preciso, possível ou saudável pensar na morte todo tempo. Evitamos o tema quando nos acomete, conscientemente ou não. Fugimos de pensar no morrer. Engolimos imagens pré-fabricadas, corriqueiras no inconsciente de todos: o esqueleto, a senhora feia, muito magra com a foice - a ceifadora de vidas.
Esta imagem sublinha um modo oblíquo de ver: sugere que viver é mais natural do que morrer, apesar do empate - o número de nascimentos iguala o de mortes. Pequenas diferenças são efêmeras. No fim, dá empate rigoroso. A morte surge como aquela que interrompe a perenidade da vida, e não, como parte dela. O sonho de eternidade é nossa maior ganância.
Inventamos a vida eterna, quiçá marca registrada da humanidade, nosso visto de saída do mundo dos macacos, certidão de divórcio do resto da bicharada, do formidável bestiário que ocupou Jeová mais de uma tarde e uma manhã. São todos incapazes da consciência da própria pena capital.
Inventamos vidas eternas, múltiplas facetas de um desejo ferrenho, nosso sonho maior, e criamos o céu e o inferno, muitos céus e infernos e uma fiada de reencarnações. A idéia de acabar, simplesmente, com um singelo ponto final, parece insuportável a cada umbigo. Tudo pode acabar, mas eu, logo eu!?! Por quê?
Outra imagem da morte: um ponto final. Fim, e ponto. Lacônico. Fim de letreiro de fim de filme, porque filme acaba, como tudo. Como tudo que começa, como a luz do sol depois de muita tempestade, porque tormenta acaba, ela que, antes, foi fim de estiagem, porque seca também acaba, como tudo, e na terminação de uma está o nascedouro da outra.
Esvai-se nas brincadeiras a imagem aludida, sem mencionar a idéia do treino cotidiano para o fim. O acabar completo de cada coisa. A inexistência de rabichos psicológicos e materiais para arrastar para amanhã e depois e depois e por todos os amanhãs que são sempre hojes carregados de ontens... Meu deus! Tudo precisa de um ponto final.
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