Primeiro de abril
01/04/19
Eu só queria pegar uma condução e voltar para casa, mas na tarde daquele primeiro de abril, uma quarta-feira, as ruas estavam misteriosamente desertas e me descobri sozinho na avenida Rui Barbosa, ao lado de onde dragas portuguesas despejaram montanhas de areia arrancadas do fundo da baía, para criar o futuro parque do aterro do Flamengo. Decidi, então, caminhar em busca de algum ônibus ou lotação.
Assim, segui em direção ao Flamengo, pela orla ainda guarnecida de magnífica amurada de granito e, sem saber das notícias daquele dia, constatava, perplexo, o mesmo cenário de cidade-fantasma, com avenidas e ruas desertas, para mim, sem motivo ou explicação. Diante do cenário insólito, enveredei-me pela Paissandu, resolvido a caminhar até a casa de meus pais. Segui pela rua aberta como acesso à praia do Flamengo para os moradores do Palácio Guanabara, ladeada por imponentes palmeiras imperiais, como a Palma Mater trazida por D. João VI, ao longo de seu quilômetro. Quando faltava um quarteirão, surpresa! Um caminhão deitado no meio da rua, homens armados com grandes máquinas de matar e a informação desnecessária: ninguém pode passar. Resignado, fiz meia volta e decidi ir até o centro. Talvez lá descobrisse o motivo daquelas anomalias. Caminhei até a Cinelândia, onde ainda existia o Palácio Monroe, para reencontrar o burburinho urbano, a multidão e seu alarido. De imediato soube de "razões políticas" por trás dos acontecimentos e logo me informaram estarem vindo de Minas tropas para defender o presidente Jango. Ali, fui testemunha ocular de uma pessoa sair da porta do Clube Militar e dar dois tiros para o alto, provocando gritos e correria e da passagem do comboio de tanques sobre pneus, em alta velocidade, pela avenida Rio Branco rumo ao obelisco. Tudo aconteceu há 55 anos, em 1964. |
Mon, 1 Apr 2019 11:08:41 -0300 Nesse mesmo dia, sai da casa dos meus pais no Jardim Europa e fui dirigindo o Chevrolet Bei-Air “hidramático” (como se chamavam os carros automáticos de então) do meu avô, com a missão de fazer uma retirada de dinheiro no Banco Itaú, na época Itaú-América, porque não se sabia o que ia acontecer. Também não se sabia que aquele dito "movimento” se transformaria numa "ditadura” que durou 21 anos. Antes tivesse sido apenas uma brincadeira do dia da mentira. sem assinatura Pelo visto, cada um deve lembrar bem daquele malfadado primeiro de abril e suas infelizes não mentiras. Pouco depois, numa roda de amigos, cogitava-se de quanto tempo a ditadura poderia durar. Os palpites eram todos de pouco tempo, dois ou três anos, no máximo. Eu chutei, para espanto dos demais, vinte anos... Mon, 1 Apr 2019 16:40:21 -0300 MARAVILHOSA CRÔNICA!!! sem assinatura Merci. Mon, 01 Apr 2019 15:24:41 -0700 (PDT) Nossa Clode! Vc tinha me contado isso a pouco tempo, sua "testemunha ocular" da historia Apesar de ser primeiro de abril, é tudo verdade. "Testemunha ocular da História" era slogan do Reporteresso... faz muito tempo. Tue, 2 Apr 2019 07:35:45 -0300 É, amigo. Certas coisas não se esquecem. |
|home| |índice das crônicas| |mail| |anterior|