Chega uma carta - continuo a preferir carta a e-mail, apesar da praticidade e eficácia da solução eletrônica, como palavra, carta tem mais tempo de janela e evoca fantasias que a um e-mail ainda não é dado fantasiar - chega, pois uma carta da mais recente inclusão na lista dos que recebem, por e-mail, esta crônica. É sucinta em palavras e pródiga em imagens: "Clode, pela boniteza da crônica, envio-lhe dois quadros de Cândido Portinari que gosto muito e lembra infância". Os dois quadros eram "Futebol" e "Pipas" (estariam mesmo duas mil palavras ali?). As imagens me lembram existir, até pouco tempo, um 'campinho de futebol' perto daqui, sempre cheio de crianças, às vezes com uma bola. Estendia-se até a beira de um barranco alto, cercado por um mundaréu de gente entocada em pequenas casas ao redor de morros até os fundos vales. Aos domingos, era tomado por homens uniformizados para os ritos do futebol, às vezes, com belas bandeiras coloridas.
Quando chega o inverno e com ele, muitos ventos, os céus por ali se bordam de pipas e de inevitáveis guerras de pipas, pois os moleques que as empinam logo serão homens. Cortam-se as linhas besuntadas de cerol umas às outras. Arriscam-se vidas - mas viver não põe sempre em risco a vida? - com tais linhas, também nos fios de eletricidade esticados pelos postes - estariam melhor debaixo da terra? - e na exigüidade das lajes de cobertura, a plataforma preferida para soltar papagaio. Gostava de ficar por ali, espectador de gente. Depois, vieram máquinas e trabalhadores e, em pouco tempo, surgiram galpões onde antes se jogava bola. A criançada perdeu mais um pátio de recreio e todos perdemos o longe que se podia enxergar. O 'progresso' da bandeira continua a fazer nossa vida melhor. Será? Tomara que pipas e papagaios continuem a voar. |
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