Avultam-se três Sofias na memória e as evoco, se não por curiosidade, à guisa da sapiência implícita no pospositivo grego -sophia.
A primeira, a dona Sofia, vizinha, reinou em minha infância e em uma casa geminada, estreita, distribuída em dois andares. Não conheci o andar de cima, mas jamais esquecerei seu quintal, ou melhor, seus quatro quintais!
O primeiro, do portão até uma cerca feita de bambu e trepadeiras, oferecia pouco a uma criança além dos pés de fícus junto à grade da fachada, muito fáceis de escalar...
O segundo era dominado pela magnificência de um velho pé de jambo, capaz de tecer espesso tapete dos fios magenta de suas flores. Ah, fascinante e macia alcatifa para pés descalços! À sombra da árvore alterosa, viviam cigarras em abundância, como larvas, sob a terra até o momento de emergirem por buracos - círculos perfeitos -, para escalar o tronco ereto do jambeiro e ali se firmarem para eclodir como inseto alado e estridulante, deixando, preso ao tronco, uma exúvia - casca da última muda - de presente para a criançada. Quantas carcaças juntávamos!
Depois, vinha o quintal de serviço com seu tanque de lavar roupa, cordas para as pendurar e um quaradouro para as quarar. Lá, também estavam os petrechos indispensáveis ao preparo do cacau, a partir das sementes torradas dos frutos vindos, de tempos em tempos, da Bahia. Dona Sofia, baiana e separada do marido, além de fazer balas e doces a partir do fruto do cacaueiro, criava sete filhos e muitos gatos. A casa terminava ali e o quintal seguia largo para seu quarto e último pedaço, cheio de bananeiras e separado por outra cerca com uma passagem sob um pé de romã... Nossa, quanto à sombra do bananal!
Ao puxar um fio extraviado da memória aticei lembranças e fantasias que trazem outras recordações! Se der na veneta, amanhã puxa-se mais o fio dessa trama...
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