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Repolhos12/01/02O engano passou e o documentário também. Este passou outro dia na televisão. Era sobre o Alasca e ensinava que lá, no verão, se planta e se quebram recordes. Aliás, quebrar recordes parece ser o esporte nacional por excelência dos norte-americanos. O filme mostra hortaliças gigantes. Espécimes com vários quilos, como um repolho de mais de quarenta! Não diz se os monstros são macios e saborosos e ninguém parecia preocupado com isso. Disse que o engano, como o filme, passou, foi "ao ar": a locutora da dublagem precisou falar tantas vezes em recordes que, numa delas, pronunciou récorde, como em inglês. Nada grave. O jornal da televisão de maior audiência insiste amiúde no erro de prosódia e deixa muita gente confusa. Alguns chegam a pensar que há as duas palavras em nossa língua! O mais importante, todavia, não é deixar aos povos do norte a pronúncia proparoxítona e o periódico famoso, que publica qualquer absurdo a guisa de recorde: quem passou mais tempo enterrado vivo, pendurado de cabeça para baixo, com a boca cheia de minhocas ou baratas. (Vale tudo.) Mais importante é perceber as conseqüências de estimular a competição desde de muito cedo, de fazer da disputa um mecanismo chave na educação. Perceber as conseqüências de insinuar que há um mais isso ou mais aquilo, um melhor ou preferido, através de comparações sutis, desde o berçário da maternidade. Perceber as conseqüências de estimular a rivalidade e criar o vencedor e, ao mesmo tempo, o perdedor e humilhado que, cego, só pensa em vingança. Mais importa compreender que somos nós o tecido social. Não é o caso de dar a taça ao pequeno repolho de fundo de quintal, adubado com cocô do dono. Trata-se de perceber como e quanto se desenvolveu esse instinto, útil na origem, que levou o homem a competir assim. Trata-se de tecer uma sociedade menos violenta. |
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