Ah, invertem-se os papéis! Aprendi, com o fax, da possibilidade de mandar palavras como se fossem flores ou bombons... Nas vésperas de um natal, sem querer reprisar os votos corriqueiros, decidi celebrar o solstício, em vez da data litúrgica quase congruente e, quiçá escolhida a partir da efeméride astronômica. Iniciava-se ali o vício, depois cultivado, de semear palavras a cada virada de estação. Dois dias após meu silêncio na efeméride de noites iguais em todas as latitudes, no dia 20, uma amiga de muito tempo clamou: "O outono chegou e cadê você?". A frase demonstra o contágio remoto do vício - também ela se acostumou ao repeteco dos votos nas efemérides.
Faça-se, pois, da resposta à amiga a crônica desta segunda-feira, em plena seca de inspiração e, com a desculpa de explicar a inversão de papéis, a pergunta transformada em votos equinociais, conte-se, também à leitora e ao leitor costumeiros da crônica, onde se escondem as 35 celebrações anteriores nessas quase duas décadas. Possa a amiga querida compreender a existência de tempos férteis e outros de árida seca, de onde nada brota num silêncio imenso. Lembrei-me, sim, da data assinalada, do efêmero instante de equilíbrio na insolação dos hemisférios, da estrela no zênite sobre o equador, a leste da África, da inauguração das estação, mas da lembrança não nasceu nada digno de se registrar. Fôssemos capazes de ultrapassar as limitações dos meios de comunicação e minha amiga saberia, no dia vinte pela manhã, de uma mente a buscar algum 'olá' que lhe soasse bem. Mente aflita, em particular, por causa dela, justamente, que não recebe a crônica, mas ecoa com gáudio cada saudação de solstício ou equinócio. Agora, depois de assim a expor sem consultar, espero sua compreensão, seu perdão. Possam as páginas de ontem aplacar o vácuo de hoje! |
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