Resquícios da adolescência
11/12/17
— "Posso provar?" Incapaz das duas palavras tão óbvias no contexto, calou subordinado às tempestades desencadeadas por transbordamentos hormonais a desordenar toda emoção como sói acontecer a todo adolescente. Permaneceu mudo a sentir em si mil impulsos, mil pulsões contraditórias, mas pedir para provar o gosto proclamado do batom a lhe tingir os lábios, não pediu. Engoliu as palavras intuídas, silenciou. Agora, passado mais de meio século, ele se perguntava sobre a veracidade daquelas lembranças e suposições - teria mesmo lhe ocorrido a pergunta, agora tão evidente, no momento, diante da resposta da moçoila ao lhe elogiar a bela cor do batom? — "... e tem gosto.", ela disse, "Este tem gosto de cereja. Em casa, tem outro com gosto de café com leite." - completou quase esnobe. Como ter certeza agora de nuances dos acontecimentos da adolescência, quando se age mais movido pelo arrebatamento de um desejo que por discernimento e raciocínio? Impossível saber, apesar de, como refrão, a pergunta singela se repetir vida afora sempre com vestígios de crítica à própria inaptidão. A suposição, no entanto, de uma vez feita a pergunta seguir-se o beijo para avaliação do sabor de cereja é mera especulação. Ocorre-me de repente uma cena alternativa onde, frente a provocação do "Posso provar?", a fogosa adolescente respondesse sem demora "Claro!" e, ao mesmo tempo, abrisse sua bolsa para pegar o batom sabor cereja, o abrisse expondo amplamente o bastão a lhe dar nome, para em seguida o oferecer como se fosse um pirulito ao outro adolescente, aí sim, definitivamente estarrecido. Muitas outras sequências como esta se poderiam imaginar, pois os fatos são apenas o que acontece, ditado pelas circunstâncias sem a ajuda de nenhum roteirista, sem vãs lucubrações de algum poeta ou filósofo de botequim. |
Tue, 12 Dec 2017 16:31:06 -0200 de cara, me ocorreu a reação da moça de emprestar o batom pro moço. sem assinatura Pois a mim só depois de sessenta anos ocorreu, mas valeu pela crônica. |
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