Tarde fria, o sol descamba cedo para o poente e dá à paisagem suburbana um toque europeu: nas cores, luzes e sombras. Por mais dezenove dias o pôr-do-sol virá cada vez mais cedo, até o solstício. Ao olhar o espetáculo, de repente, me vi a recortar pedaços da cena em molduras de minha imaginação. Daí, pensei: se se pudesse repetir o feito de quarenta anos, ou mais, ensinaria Fotografia, no começo, sem máquina fotográfica, apenas com retângulos recortados em pedaços de cartão! O fotógrafo aprende a transpor sua visão - tridimensional, dinâmica (os olhos se movem quase sem parar), com nitidez variável (o campo visual é muito mais borrado nas bordas) e mais, muito influenciada por fatores psicológicos - para uma imagem bidimensional e limitada por um retângulo (já houve imagem final circular). Enquanto pensava, recortava ao léu pedaços de azuis e luzes lambidas, abstraia de sujas paredes e suas janelas. Cortava ramos imponentes de velhas araucárias e, com minha moldura virtual, transformava o orelhão cor de limão e as pessoas encolhidas de frio no ponto de ônibus. O visor da máquina de retrato foi sempre desafio crucial para a indústria e para o fotógrafo, também. Ele precisa se entender com o visor, com os visores e o pequeno 'monitor' das máquinas digitais, certamente deve impor um entendimento do qual não posso falar, mas, teria suas vantagens e desvantagens como qualquer outro. Pareceu-me óbvio, hoje, ser este o primeiro passo de um aprendizado de Fotografia: brincar com retângulos recortados em cartolina ou, numa emergência, repetir o gesto de antigos fotógrafos ao improvisar o retângulo com os polegares e indicadores das mãos. Depois, o olho aprende e recorta por si. Por fim, me questionei: precisa, mesmo, da máquina? Para que colecionar imagens? Não nos bastariam as fotos efêmeras? |
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