Rosto único
30/01/15
O parágrafo, de 97, dormia esquecido nas entranhas do computador, certamente transferido de um para outro e deste para o próximo pelo temor de se perder algo importante, alheio a insignificância de qualquer dado ante a vida real e finita. Assim, ao deparar-me com ele hoje, o vi com olhos de outro tempo, apareceu-me sob a ótica da abundância de auto-retratos, os selfies. Eis o parágrafo em questão: A essência da Fotografia não está no filme nem no photoshop; ultrapassa toda luz que passa pela objetiva e transcende aos requintes de iluminação da velha Hollywood. Ela, essência da Fotografia, está no rosto humano. Por vocação e predestinação, o rosto humano resulta objeto, sujeito, tema e razão de ser da imagem fotográfica. Seguia-se um texto a comentar certa imagem - a imagem se perdeu ou, pelo menos, sua conexão com o texto - e, em particular, o tema sempre atraente da essência da Fotografia, com todas as conotações brilhantemente enunciadas por Roland Barthes. Pouco importam os comentários sobre a imagem desconhecida, mas como não aproveitar o pretexto para voltar ao rosto humano, com sua singularidade e com tudo que o nosso cérebro já evoluiu para o poder compreender instantaneamente. Quanto aos auto-retratos, há a desculpa de se tratar do modelo mais à mão e quase sempre disposto a posar, mas não se pode ignorar aí um sintoma de uma sociedade cada vez mais voltada para o próprio umbigo, onde se valoriza o indivíduo e o individualismo, onde o organismo vem se corroendo pela disputa das células entre si. Ao reproduzir com fidelidade um rosto humano - com suas expressões sutilíssimas ou caricatas, com a tradução inevitável de humores e emoções, com a linguagem específica de seus traços, aperfeiçoada há milênios - a Fotografia se define na cominidade das artes, como queria Barthes. |
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