A luz alaranjada do poste ainda está acesa. Ao longe, um bem-te-vi se aquece com a introdução de sua cantoria variada, insistente, quase irritante. Por perto, outro passarinho também prepara sua cantoria - pipilar digno desta palavra. O amanhecer se espreguiça.
Haverá, ainda, um mês de inverno, mas a paineira, majestosa, já se cobre de folhas tenras do viço dos filhotes, de um verde-amarelado pálido, transparente, que entrega aos olhos, também, predicados táteis.
Ao contrário da madrugada límpida de lua cheia, a manhã se agasalhou em manto muito alvo. Os primeiros raios de sol acendram casario na outra encosta, construções com ares urbanos onde, até pouco, existia velha fazenda, com uma única e imponente casa avarandada. As novas, são grandes blocos retangulares de dois ou três andares. Algumas, em de cores terra, emprestam às primeiras luzes tonalidade ainda mais quente.
Bem ao lado, entre ramos baixos, uma corruíra saltita e emite seu gorjeio grave. É surpreendente que ave tão pequena tenha garganta de barítono. No rádio, Elis repete pela milionésima vez que o mesmo vento que sopra aqui, sopra lá, mas o ar estava absolutamente imóvel, sem qualquer brisa ou bafejo.
Por fim o sol chegou à encosta voltada para oeste. Branco, silencioso. Brancas e abundantes, também, é a florada da pitangueira. Hoje, já polinizadas, o perfume é quase imperceptível. Vão morrer e virar frutos.
Chega um pardal topetudo e pousa em um galho próximo. Não parece se importar com a presença humana. Passa o bico nos galhos de um lado e de outro, como que afia uma faca. Aproxima-se cada vez mais. Pia. Insiste. Tento um leve assobio. Tentamos um diálogo. Ele me olha. Não conheço o código. Ele desiste. Vai cantar a alguns metros dali.
Começa a soprar vento incomum: vem de nordeste.
Vida e morte seguem, maravilhosas e sem adjetivos.
|home| |índice das crônicas| |mail| |anterior|